O apartheid social de Inês Teotónio Pereira

Nacional

Contexto: no passado sábado a candidatura presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa organizou uma pouco concorrida sessão (estilo comício) no salão da sede da Voz do Operário, em Lisboa. A ex-deputada do CDS, Inês Teotónio Pereira, foi à Voz e dessa presença no comício de Marcelo resultou uma fotografia legendada que publicou nas redes sociais. Na fotografia pode ler-se a insígnia “Trabalhadores, uni-vos” inscrita em lápide presente no salão. Na legenda a seguinte observação: “Só o Prof. Marcelo me leva a um sítio com operário no nome”.

A piadola saiu-lhe cara e apesar de ter removido imagem e legenda das redes sociais, Inês Teotónio Pereira, que é ex-deputada eleita pelo círculo eleitoral de Lisboa, já não pode fugir às consequências políticas das suas palavras.

A alergia de Inês Teotónio Pereira a sítios com operário no nome não é característica especificamente sua. É também por isso que afirmá-lo nas redes sociais não lhe causa constrangimento algum. O CDS tem origem histórica e de classe bem conhecida, e o seu desprezo pelas instituições populares de cultura e recreio – como a Voz do Operário – é parte estruturante do seu ADN. O associativismo popular é um dos principais factores de resistência à destruição dos valores de Abril; dentro deste o associativismo de raiz operária permanece como uma das mais dolorosas pedras no sapato daqueles que não apenas promovem mas simultaneamente afirmam como necessária a estruturação da vida económica e social do país na forma de uma pirâmide social injusta e anacrónica, que instituições como a Voz do Operário (de que sou associado há muitos anos) procuram por formas diversas combater. Através da educação das crianças das camadas populares, por exemplo.

É curioso que, sendo ex-deputada eleita por Lisboa, com responsabilidades parlamentares na área da educação (pertenceu na legislatura de 2011-2015 à Comissão de Educação, Ciência e Cultura), Inês Teotónio Pereira trate com tanto desdém uma das mais antigas e prestigiadas instituições ligadas à educação na cidade de Lisboa. A Sociedade “A Voz do Operário” não é uma escola, mas a sua actividade no domínio da educação é não apenas centenária mas também reconhecida por quase todos aqueles que desenvolvem actividade técnica, científica e também política neste contexto.

Inês Teotónio Pereira foi à Voz e da sua passagem pela sede da instituição – edifício que é aliás património arquitectónico da cidade [1] – apenas trouxe a piadola que se conhece sobre os sítios “com operário no nome”. Creio que se trata de um episódio que caracteriza de forma exacta a intervenção pública não apenas desta deputada mas também do CDS enquanto agrupamento partidário das facções mais reaccionárias do espectro político nacional.

Nota:
[1] “A Voz do Operário vai ser classificada como monumento“, Público, 25/03/2012.