O Insustentável Peso do Capital Financeiro

Nacional

A nova fase da crise económica e financeira do capitalismo, ampliada pelos efeitos das medidas tomadas um pouco por todo o mundo em função do surto pandémico do novo coronavírus, vem expor elementos fundamentais para a história do capitalismo, para a função dos estados e das suas configurações, para a compreensão da acumulação capitalista e deixar pistas para as soluções que podem ser encontradas nos períodos que vivemos e nos que se seguirão.

É verdade que só o trabalho produz riqueza, essa lei incontornável do marxismo não carecia de prova a não ser para contrariar a retórica da classe dominante no plano das ideias. Apesar dessa constante ofensiva ideológica da burguesia, na sua constante exaltação do capital, a realidade nunca deixou de demonstrar com a necessária dureza de que o capital, sendo “trabalho morto”, só pode existir, existindo trabalho e que a “mais-valia”, fonte do rendimento do capitalista, só pode ser extraída da realização de trabalho. E nem a substituição do escravo assalariado por máquinas pode resolver essa questão fundamental e definidora do capitalismo.

Todavia, no momento presente, em que a produção e a prestação de trabalho desaceleram, os centros capitalistas, os centros financeiros e os monopólios não estão ameaçados do ponto de vista económico. Podem estar ameaçados politicamente, pois que se torna cada vez mais injustificável o seu privilégio de classe, pois que é cada vez mais insustentável justificar o peso político de um capital predatório e avassalador, mas não estão financeira nem economicamente constrangidos. Se é facto que a produção de riqueza resulta única e exclusivamente da realização de trabalho e que capital não produz capital a não ser especulativo – que é como quem diz, de extracção indirecta de mais-valias – não é menos verdade que um período de menor produção e de ampliação do exército industrial de reserva pode coincidir com um período de maior concentração e acumulação de riqueza.

O stock e o capital mantêm fluxos, a economia funciona com a produção de alguns bens em queda mas mantém as regras de funcionamento. O que significa que a crise e as medidas de combate ao coronavírus não implicaram alterações no modo de produção nem na interacção do Estado com os grupos económicos. Enquanto que um conjunto vasto de liberdades e direitos foi simplesmente cilindrado pelo confinamento social e pelo encerramento compulsivo de pequenos negócios e produções, nenhum privilégio dos grandes accionistas foi sequer tocado. Mantém-se o privilégio de especular com preços de bens essenciais, mantém-se o privilégio de ter propriedade improdutiva, o privilégio de despedir, o privilégio de explorar e extrair mais-valias do trabalho alheio. Da mesma forma, nas esferas mais elevadas do capital, o capital financeiro mantém o seu papel de agiota, cobrando pelo dinheiro mais do que a economia actualmente produz, assim provocando uma concentração de riqueza ainda mais acelerada que a já habitual.

Apesar de haver menos produção, os circuitos comerciais activos estão mais concentrados e apenas os grupos monopolistas terão condições para ressurgir com o necessário vigor após um confinamento prolongado. Ainda que exista mitigação económica por parte do Estado, essa mitigação deixa sempre uma percentagem nas mãos da banca e não será suficiente para resolver todas as perdas dos trabalhadores e da pequena-burguesia esfarrapada. Além disso, essa mitigação representa a abertura dos cordões das bolsas públicas, criando um fluxo que alimenta a economia – eminentemente privada – através de recursos públicos. Os trabalhadores, ainda que em menor escala e volume, mantêm o consumo dos bens e mercadorias produzidas no modo capitalista, mas com financiamento público. O resultado dessa estratégia, de capturar apenas os recursos públicos para fazer frente às adversidades provocadas pelo surto, também será o do esvaziamento dos orçamentos e capitais públicos e a sua ulterior concentração nas mãos dos proprietários capitalistas e, especialmente, nas mãos da banca.

Isto não significa que os apoios públicos à economia sejam um retrocesso. Apenas que não pode manter-se a estrutura de propriedade e de exploração enquanto se altera o papel e a despesa do Estado de forma tão significativa. Se o Estado passa a financiar o consumo e a economia, então uma fatia maior dos seus recursos deveria provir da taxação do capital e dos dividendos. Ou então, se estão suspensos direitos absolutamente fundamentais para os trabalhadores, que se suspendam todos os privilégios do grande capital.

No longo prazo, mantendo o modo de produção e a submissão dos estados burgueses aos grandes grupos económicos, a economia ficará inteiramente concentrada nas mãos dos monopólios. A fusão do capital bancário com o capital industrial será inteira e atingirá as camadas intermédias e da pequena-burguesia como nunca. O capital financeiro será ainda mais dominante e estará ainda mais concentrado. De acordo com Lenine, isso também terá repercussões na forma de poder, no autoritarismo, no belicismo e na expansão do neo-colonialismo. O imperialismo, fase superior do capitalismo não deixa de ser a fase do “capitalismo de transição”, a fase da passagem do capitalismo ao socialismo.

O que é urgente é que o proletariado, o activo e o colocado à força na reserva, reclame o poder e faça frente ao mais letal dos vírus que a Humanidade já conheceu, o capitalismo. Só superaremos o estado de sítio burguês – mesmo depois da pandemia – se a essa classe forem retirados os privilégios para que possam ser redistribuídos como direitos a todos os condenados da terra.

2 Comments

  • Jose

    26 Abril, 2020 às

    Haveria que começar pelo mais óbvio:
    Os fundos de pensões que alimentam o capitalismo financeiro haveriam de ser obrigatóriamente aplicados em investimentos para habitação de rendas limitadas.

    • Nunes

      28 Abril, 2020 às

      Sempre a querer meter o bedelho onde não é chamado.

Comments are closed.