O mundo move-se

Internacional

A tomada de posse de Trump, nos EUA fez as delícias de alguns jornalistas e comentadores, com horas de debates em que quase todos diziam o mesmo, emissões especiais e diretos intermináveis de um ritual tão fora de prazo que só resta a nata. Passado o circo, resta um mundo que se move, com a decadência dos EUA em passo acelerado, a União Europeia em modo inexistente e o resto do mundo, que já percebeu que vamos entrar numa era pós-império.

Estas eleições nos EUA deixaram a nu que há uma mudança no paradigma do controlo dos Estados. Os mais ricos dos mais ricos perceberam que não precisam de financiar campanhas de terceiros para terem os seus interesses defendidos; ao contrário, financiam-se a eles próprios e chegam eles mesmo aos cargos de decisão. Foi assim com Trump e é assim com Elon Musk. Os 277 milhões de dólares que investiu na eleição do neofascista cor-de-laranja estão mais do que pagos.

Os media engolidos

Com as novas plataformas digitais, Trump e a nova geração de milionários, como Musk, Bezos ou Zuckergerg, deixaram de precisar de investir em media, de controlar a narrativa através de órgãos de comunicação social que, de forma direta ou indireta, ainda controlam, veja-se o caso de Jeff Bezos e o Washington Post. No entanto, com a mudança geracional dos consumidores de informação e a penetração das redes sociais, nomeadamente do Facebook, entre as camadas mais velhas e, por isso, tradicionalmente mais consumidoras de jornais e televisão, os mais poderosos não precisam de comprar espaço mediático. Estão todos os dias nas redes, em discurso direto, sem uma mediação jornalística que, verdade seja dita, é cada vez menos mediação e cada vez mais amplificação das suas mensagens.

Quem manda em quê

Por outro lado, esta nova forma de estar de uma vaga de multimilionários simboliza, também, o fim de ideias dominantes da Academia no que respeita às teorias das Relações Internacionais. Nem as Organizações Internacionais e as trocas comerciais são sinónimo de paz, como defendem os liberais, nem o Estado e a sua sobrevivência é o principal objetivo, como defendem os realistas, com a nova fase de controlo do Estado por imperialistas anarcocapitalistas. De facto, o que os tempos contemporâneos demonstram é a razão das teorias de Gramsci. Os interesses dos Estados são interesses da classe dominante de cada Estado; por sua vez, a classe dominante da potência hegemónica sobrepõe os seus interesses aos interesses dos Estados.

A irrelevância da UE

Como prova empírica, temos a irrelevância da UE no plano internacional, enquanto instituição vassala dos interesses dos EUA. Ninguém pensa na UE como mediador da guerra da Ucrânia ou como capaz de travar o genocídio na Palestina, pelo simples facto de que a ação das instituições da UE é em defesa da mesma classe dominante dos EUA, a quem responde de forma mais ou menos clara. Isto fica evidente na vertente militarista fortemente acentuada na escolha de Von der Leyen, mas particularmente de Kaja Kallas, vice-presidente da Comissão Europeia. Enquanto vai defendendo o investimento no armamento a todo o custo, fazendo eco de Mark Rutte, Secretário-Geral da NATO, para travar a ameaça russa, vê os EUA avançarem para uma possível anexação de 98% do território da Dinamarca.

A luz do comboio ao fundo do túnel

Enquanto Trump vai instalando o seu gangue na Casa Branca, na UE os responsáveis vão manifestando o desejo de continuar a cooperar com os EUA, numa demonstração de vassalagem a um poder cada vez mais isolado. O resto do mundo avança com os BRICS+; em dezembro passado, a China reduziu a zero as tarifas para mais de 30 países africanos, ao passo que os EUA ameaçam meio mundo com tarifas e sanções. No Sahel, Níger, Mali e Burkina Faso continuam o seu caminho de verdadeira descolonização do poder francês. O mundo move-se, apesar da resistência académica e intelectual de think tanks ocidentais conservadores das Relações Internacionais, da FLAD aos subsidiários da defesa do atlantismo, que se recusam a reconhecer o óbvio. O mundo move-se e é, cada vez mais, o mundo fora do eixo EUA-UE a ditar os caminhos do futuro, sejam eles quais forem.

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