Pedro vs Hugo

Nacional

Hugo Soares, presidente da JSD e deputado à Assembleia da República pelo PSD, declarou, há cerca de uma semana, num debate televisivo, que “todos os direitos das pessoas podem ser referendados”. Foram palavras que originaram, por todo o lado, muitas conversas, discussões e comentários. Já foi há uma semana, bem sei. Nos tempos do “mastiga e deita fora” há prazos de validade para todos os acontecimentos. Mas eu retive o que foi dito por Hugo Soares naquela noite. E retive, não pela declaração que acima transcrevi mas por uma outra: “os portugueses têm maturidade democrática para, se forem esclarecidos sobre esta matéria, votarem em consciência. Sabe porquê? Porque eu não passo atestados de menoridade, nem de inferioridade, a nenhum dos meus eleitores nem a nenhum dos portugueses que estão lá fora”.

E porque é que isto ficou-me às voltas nas ideias? Porque seis meses antes, Pedro Passos Coelho, presidente do PSD e primeiro-ministro, num jantar com o grupo parlamentar disse: “Se algum dia tiver de perder umas eleições em Portugal para salvar o país, como se diz, que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal” e também “Nenhum dos que aqui estão foi eleito para ganhar as próximas eleições, ou para ajudar a ganhar autárquicas, nem as regionais deste ano nos Açores, nem as europeias que aí vêm a seguir, não foi para isso que fomos eleitos. Foi para responder ao país”

Só com muita ginástica e malabarismo é que se poderá compatibilizar estas duas declarações. Obstáculo que a verborreia demagógica destes eloquentes senhores certamente superaria. Mas basta um mínimo de honestidade intelectual para perceber que ninguém que confie na maturidade democrática dos portugueses, ninguém que não passe atestados de menoridade ou de inferioridade aos eleitores pode considerar que perde eleições porque salva o país. Passos Coelho só colocou essa hipótese porque a considerou como uma possibilidade real, tão real que as eleições autárquicas em finais de Setembro do ano passado não deixaram margem para equívocos. O próprio primeiro-ministro confirmou: “Sabemos evidentemente que há sempre um preço a pagar pela forma como estamos na política.” E até deu uma palavra de conforto “a todos aqueles que disputaram estas eleições em condições tão desfavoráveis”. Mas também lá foi dizendo, do alto do seu paternalismo: “Quero reafirmar que, como presidente do PSD e como primeiro-ministro, me continuarei a bater pelo caminho que temos vindo a percorrer, que é um caminho indispensável à recuperação da crise económica, recuperação de confiança e do crescimento para Portugal”.

Poder-se-ia dizer que Passos Coelho e Hugo Soares, apesar de disputarem entre eles a taça dos homens que riem controladamente e engoliram um garfo – deve ser isto a que chamam de pose de estado -, usarem fatos caros e nos dias de festa andarem com pullovers cor-de-laranja aos ombros, são pessoas distintas e por isso dizem coisas distintas. Mas o Hugo estava no jantar dos deputados em que Coelho disse que se lixe a maturidade democrática dos portugueses e em que passou, em papel azul de 25 linhas, com todos os selos e carimbos, o atestado de menoridade e inferioridade aos eleitores. E o Hugo até bateu palmas, todos bateram palmas.

O que está em causa não é que se referendem direitos. Todos os direitos foram conquistados na luta. Não me choca sequer que o Hugo o tenha dito. Quem cultiva o sentido crítico e o questionamento constante de tudo o que o rodeia não pode deixar de admitir que as únicas leis que a humanidade não pode estabelecer são as da própria natureza. Tudo o que diz respeito à vida das nossas sociedades são construções humanas. Não existem leis divinas e imutáveis: nem quanto aos direitos humanos, nem quanto aos mercados, nem quanto às organizações sociais, económicas e políticas.

Existem, e existirão enquanto a humanidade não o mudar ou se extinguir, as sociedades divididas em classes, aqueles que exploram (a minoria) e aqueles que são explorados (a maioria). Desse sistema económico que as estrutura (à custa de equilíbrios e desequilíbrios constantes) fazem parte os preconceitos e a segregação.

Na realidade Hugo e Pedro querem a mesma coisa e as suas parecenças vão mais além do que os fatos, os pullovers e a postura. Partilham a mesma visão do mundo, perpetuar e agravar a hierarquia económica baseada na exploração, adoptam a mesma retórica, que se contorce ao sabor das conveniências, e ambos estão-se nas tintas para os direitos e para a opinião dos portugueses.