País Basco: quando existir é crime

Internacional

Há mais de 13 anos, numa das muitas revoltas que estouram no País Basco, por todos os motivos e mais algum, um jovem independentista foi detido e acusado de incendiar um autocarro. Com nome de rocha oceânica, Arkaitz Bellon foi encarcerado desde então. Contra a legislação europeia que exige a garantia de que cada condenado cumpra a sua pena o mais perto possível da sua residência, o Estado espanhol atirou-o para uma prisão na Andaluzia. Arkaitz Bellon resistiu a uma pena que é a todos os títulos mais dura do que as que aplicam a crimes como o da violação ou o da pederastia e resistiu aos sucessivos espancamentos por guardas prisionais. Arkaitz Bellon resistiu até esta tarde quando o corpo foi encontrado sem vida dentro da própria cela. Morreu a quatro meses de ser libertado. Tinha 36 anos.

«Bihotza, burua, eskua, sentitu, pentsatu, ekin denok elkarrekin», é o que ouvem diariamente milhares de crianças bascas através da televisão pública. De punho erguido, os palhaços Pirritx e Porrotx encerram cada episódio com estas palavras. Resumidamente, o que querem é que cada um dos pequenos espectadores saiba que há que sentir, pensar e agir, todos juntos. Estas palavras e, principalmente, o apoio público aos presos independentistas bascos fez soar os alarmes do Estado espanhol. A pressão que se desatou sobre a emissora pública basca de televisão ilustra a natureza doentia dos que querem transformar o País Basco numa grande prisão.

Não é por acaso que há poucos meses políticos e jornalistas se lançaram uma vez mais numa campanha para descredibilizar os professores de euskara. Depois de ser público que milhares de docentes estavam a ser vigiados pela polícia, as autoridades não se retractaram. Antes justificaram que era ali nas escolas em que se lecciona um dos idiomas mais antigos da Europa que se fazia proselitismo dos «postulados etarras». Nos principais diários espanhóis, a verborreia noticiosa com o objectivo de maquilhar os professores bascos chegou ao ponto de ilustrar com dados da própria Guardia Civil que 5% dos professores estão directamente ligados à ETA e 25% à esquerda independentista.

Talvez não seja tão estranho que neste território do tamanho do Alentejo, encravado entre Espanha e França, haja crianças que sejam baptizadas pelos progenitores com nomes tão peculiares como Iraultza (revolução), Izar (estrela), Amaiur (local da mítica batalha onde milhares de bascos deram a vida pelo último Estado basco, o Reino de Navarra). Nas três décadas de franquismo, nenhuma criança basca pôde receber o nome em euskara. Só na clandestinidade do lar é que se podia escutar palavras que nenhum latino entende.

E se hoje essa liberdade existe, ela sofre constantes restrições e imposições estatais. Da mesma forma que impuseram uma lei que criminaliza qualquer partido que não condene a violência, as garras da polícia caíram sobre jornais e rádios sob o silêncio generalizado da «democracia» europeia. Em 2002, o Estado espanhol fechou a redacção do único diário produzido integralmente em euskara e as forças policiais arrastaram o director, Martxelo Otamendi, para os calabouços da Audiência Nacional, um tribunal de excepção criado para julgamentos políticos.

Durante cinco dias, ao abrigo da legislação anti-terrorista, foi alvo de bárbaras torturas sem ter qualquer acesso a um advogado. A polícia espanhola recorreu a métodos bem conhecidos pelos antifascistas portugueses. Martxelo Otamendi foi submetido à tortura do sono. Completamente despido, foi golpeado nos testículos, esteve à beira da morte pelo método da asfixia com um saco e as forças de segurança simularam a sua execução. Se foi assim com o director de um jornal, imagine-se o que não terão sido as torturas para milhares de detidos bascos nas últimas décadas.

Já Amaia Urizar foi violada várias vezes com uma pistola para que confessasse qualquer crime que a polícia entendesse. Unai Romano foi detido e torturado de tal forma que ficou irreconhecível. Crimes atrás de crimes que o Estado espanhol executa e que organizações como a própria Amnistia Internacional condenam. Foi assim que durante anos o País Basco se transformou num laboratório repressivo para as polícias das democracias europeias.

A legislação que criminaliza o protesto por todas as partes não nasceu de geração espontânea. E o que a morte de Arkaitz Bellon aclara é a noção de que a paz não surge quando as armas da ETA se calam. Enquanto as raízes históricas do conflito não forem resolvidas e os Estados espanhol e francês não reconhecerem o direito democrático dos povos poderem decidir o seu próprio futuro – e até o direito à insurreição como reconhece a Constituição da República Portuguesa – não haverá paz senão a dos cemitérios.