Pingo Doce (ou o dia em que os elderes apanharam)

Nacional

Muito antes das infames promoções do 1.º de Maio do Pingo Doce, mais precisamente no dia 25 de Abril de 2007, aconteceu um episódio engraçado. Tinha ido ao desfile popular, em Lisboa, quando, mal saio metro, mete-se à minha frente um tipo alto, muito loiro, vestido de camisinha branca e calcinha preta, engomadinho como se fosse para um baptizado, e diz-me assim: «Tem um minuto Deus nozo sinor?» era um elder, vulgo mórmon americanus.

Subimos avenida juntos, com o gajo a tentar convencer-me a juntar-me aos mórmones e eu, por outro lado, a tentar convencê-lo a juntar-se ao desfile. A páginas tantas, o elder, cujo nome já se me foi da alembradura, confessou-me que para ele o 25 de Abril não queria dizer nada. Primeiro porque não era de cá e, segundo, porque o reino dele não era deste mundo. Tentei explicar-lhe que ele, como imigrante que, no fim de contas, era, tinha boas razões para descer avenida, nem que fosse por solidariedade. O elder disse-me que não lhe interessava a política: o desemprego, a pobreza, a injustiça e as desigualdades pareciam-lhe detalhes irrelevantes no grande esquema de deus.

Só depois é que a conversa azedou: então não é que o cabrão do elder, que há segundos jurava não se interessar por política, me explicou que achava muito bem que se trabalhasse neste feriado, porque afinal, o 25 de Abril não estava na bíblia. Mais, e aqui é a porca torceu o rabo, a igreja dele aproveitava sempre a tarde do 25 de Abril e do 1.º de Maio para ir às compras.

A conversa acabou aí e nunca mais falei com ele. Mas, nessa mesma tarde, vi-o no Chiado. Os anarquistas tinham feito a sua própria mini-concentração, voluntariamente segregados do desfile popular que, aparentemente, não era suficientemente «combativo». A bófia carregou à bruta. De todos os lados, os extensíveis acertavam em tudo o que se mexesse. Era mesmo «para limpar» e ia tudo à frente. Foi uma coisa terrível: havia sangue no chão, mulheres aos gritos e a polícia batia, batia, batia…

Mas no meio da carga, vejo o elder, com dois sacos do pingo doce nas mãos, a correr à frente de um polícia, que diligentemente o apanha e, sem qualquer travo de xenofobia, lhe presta um enorme enxerto de porrada. O elder, desesperado, sem largar os saquinhos, tentava explicar ao polícia que não tinha nada a ver com aquilo, que não queria saber de política e só tinha ido às compras, que não sabia o que se estava a passar. Mas o polícia não falava inglês e o elder não levou menos por isso.