Em tempos de escuridão, há sempre alguém que resiste e há sempre alguém que diz não. O fascismo foi derrotado há 51 anos, depois de 48 anos de luta revolucionária e ação militante de comunistas que deram a sua vida — muitos, de forma literal — pela libertação de Portugal e dos povos irmãos de África. Essa luta, tantas vezes invisível, foi feita de coragem, mas também de persistência silenciosa. Um trabalho paciente, de base, que foi mobilizando as massas, criando lentamente as condições objetivas para promover mudanças profundas.
No estudo dos sistemas, Donella Meadows identificou teoricamente aquilo a que chamou “pontos de alavancagem”: elementos estratégicos dentro de sistemas complexos onde pequenas ações podem provocar grandes transformações [1]. Os comunistas portugueses foram, e continuam a ser, a expressão prática desse princípio — encontraram e atuaram nesses pontos, agitaram consciências, fizeram crescer o movimento, empurraram a História para a frente.
Hoje, não vivemos sob fascismo. Mas os resultados das recentes eleições vieram expor com nitidez uma realidade política e social marcada pelo retrocesso. Vivemos numa conjuntura de enorme complexidade, onde o capital dispõe de ferramentas cada vez mais eficazes e sofisticadas para manter o seu domínio e travar qualquer avanço transformador:
- a internet, instrumento de difusão massiva da ideologia dominante, onde impera a mentira repetida, a distração permanente e a banalização da violência;
- a comunicação social dita “livre”, mas ao serviço dos interesses do grande capital, amplificando o reacionarismo, promovendo o imediatismo, a polémica fácil e a desinformação deliberada;
- a reorganização das forças produtivas que, apesar de não romperem com a sua natureza exploradora, aprofundaram o individualismo e, com ele, a alienação das massas trabalhadoras.
Perante este cenário, marcado por grandes perigos, há também grandes oportunidades. Cabe-nos reconhecê-las e aproveitá-las.
É neste contexto que se propõem algumas breves reflexões — princípios básicos para a resistência que aí vem. Que nos ajudem a identificar os nossos próprios pontos de alavancagem, a intensificar a luta transformadora e patriótica em defesa do nosso povo e do nosso país. Porque resistir é preciso. E lutar, como sempre, é a nossa resposta.
Princípio 1. Não desmotivemos, o futuro aos trabalhadores pertence.
O futuro é nosso, sobre isso não pode haver a mínima dúvida. Porém, não nos pode fazer ter pressa, nem perder tempo. Os comunistas organizados no seu Partido e nos seus sindicatos de classe não podem jamais perder a “confiança” num futuro melhor. Não podemos perdê-la, pois a nossa confiança alicerça-se na realidade material.
A luta de classes não se mede apenas em votos, e os resultados das eleições de 18 de maio de 2025 — ainda que abaixo das nossas legítimas aspirações — não nos derrotam, antes sublinham a urgência e a justeza do nosso combate. A correlação de forças pode mudar, mas a determinação dos comunistas permanece. Não nos move o imediatismo nem a ilusão fácil; move-nos a convicção profunda de que o poder dos trabalhadores, a justiça social e o socialismo são não só possíveis, como necessários.
Princípio 2. Confiança no nosso povo, sempre.
É com este povo que temos de lutar, não temos outro. E se antes já era claro que teríamos, mais tarde ou mais cedo, de conquistar aqueles que depositam as suas réstias de esperança na reação, agora temos a prova matemática que não é possível ignorar.
Os resultados das eleições de 18 de maio confirmam que o terreno está a ser ocupado por forças que mascaram o desespero popular com discursos de ódio, medo e divisão. O avanço do Chega não é apenas um número — é um sinal de alarme que exige de nós uma resposta firme, combativa, mas, sobretudo, confiante no potencial transformador do nosso povo.
Não desistimos de nenhum trabalhador, de nenhum jovem, de nenhum reformado. Não desistimos dos que, movidos pela frustração e pela ausência de respostas concretas às suas dificuldades, foram levados a votar contra os seus próprios interesses. O nosso papel, mais do que nunca, é o de esclarecer, organizar e mobilizar. Não com arrogância, mas com convicção. Não com fatalismo, mas com coragem. Olhos nos olhos.
A confiança no povo significa estar presente, lutar com ele e por ele, mesmo quando tudo parece apontar noutra direção. A História já nos mostrou que os ventos reacionários se enfrentam com mais luta, mais justiça social, mais solidariedade — e nunca com recuos ou hesitações.
Princípio 3. Sejamos ousados e criativos.
Procuremos na realidade concreta a alavanca que catapulta a consciência para a luta mais geral. Parte da resposta dependerá da criatividade que possamos ter. Sejamos criativos, pois as ferramentas que usamos são dominadas pela reação e pela classe dominante. Contudo, não compliquemos: não precisamos de inventar a roda.
Olhemos atentamente para o nosso território, escutemos os anseios dos nossos vizinhos, dos nossos colegas de trabalho, das pessoas com quem nos cruzamos todos os dias. Façamos luta porta a porta, se for preciso — pela limpeza da rua abandonada, contra o encerramento do posto dos CTT, pela permanência da extensão de saúde, contra o aumento do passe, pelo que seja efetivamente sentido e mobilizador.
Não há lutas menores quando se travam com consciência de classe. Cada conquista local pode ser o primeiro passo para uma visão mais ampla, mais profunda, mais transformadora da sociedade. É na luta pelos problemas sentidos no dia-a-dia que se abrem caminhos para questionar a estrutura que os gera.
Olhemos para trás, para a forma como nos organizávamos nos bairros, construíamos cadernos reivindicativos, impulsionávamos comissões de moradores, dinamizávamos jornadas de contacto, debates, convívios, campanhas de esclarecimento. Há um património de intervenção que nos pertence — não nos cabe repeti-lo mecanicamente, mas para recriá-lo, com os olhos postos na realidade de hoje e com a ousadia de quem sabe que a transformação não virá de fora, mas da força organizada do povo.
Criatividade não é espetáculo. Criatividade é estar no sítio certo, com as palavras certas, na hora certa, com a coragem de propor e a paciência de escutar. É disso que precisamos. É isso que sabemos fazer.
Princípio 4. Sejamos unitários, verdadeiramente unitários [2].
Que venha quem vier por bem! A unidade não se faz com “partidos à esquerda”, nem nasce das correlações de forças ditadas por resultados eleitorais. A unidade constrói-se no dia-a-dia, com quem caminha ao nosso lado, partindo do concreto, com abertura, paciência, firmeza e, acima de tudo, sem condescendência.
Precisamos de compreender que o nível de consciência política e de classe não é uniforme — nem o mais elevado, nem o mais coerente. Precisamos de aceitar que, muitas vezes, os objetivos imediatos se impõem aos mais estruturantes. Mas é aqui, no contacto com a vida real, que se abre o espaço da construção unitária.
Ser unitário não é diluir princípios. É saber trabalhar com diferenças. É dar espaço e voz àqueles que, mesmo não partilhando ainda da nossa visão do mundo, querem agir para mudar alguma coisa. É permitir que o povo se organize connosco, com liberdade e autonomia, sem dirigismos ou medos.
A participação popular é a melhor amiga da legitimação da nossa luta e da nossa identidade junto das massas trabalhadoras. Quando o povo participa, quando decide, quando constrói, ganha consciência e confiança. E é essa confiança que alimenta a organização, a solidariedade e a luta.
A unidade verdadeira não é feita de alianças formais ou de discursos de ocasião — é feita de trabalho comum, de caderno na mão, de assembleias populares, de reivindicações partilhadas e de vitórias construídas coletivamente. Unidade é luta concreta com quem está disponível, no tempo certo, com os meios que temos, rumo aos objetivos que nos unem.
A nossa tarefa é ligar, articular, federar vontades. Ser fermento de unidade onde ela for possível e necessária. Sem sectarismo, sem purismos, mas com firmeza ideológica e clareza de rumo. Porque, sem unidade popular, não há força social capaz de transformar a realidade.
Princípio 5. A crítica como complementaridade da prática e a prática como complementaridade da crítica [3, 4].
Perante a ofensiva reacionária, a dialética entre teoria e prática ganha redobrada importância. E dentro dela, a crítica — enquanto ferramenta de transformação — exige uma evolução simultaneamente quantitativa e qualitativa [5].
Quantitativa, porque não basta a crítica pontual, ocasional ou superficial. Precisamos de afinar o olhar crítico até ao nível atómico, até ao grau mais profundo da nossa própria militância individual, da nossa forma de estar na luta, das relações que estabelecemos com o outro, da linguagem que usamos, da escuta que praticamos.
A crítica verdadeiramente transformadora começa no íntimo da organização — na forma como cada militante se revê, se questiona e se responsabiliza. Sem esta crítica interna, minuciosa, a crítica mais global perde sentido, torna-se abstrata ou até hipócrita. O que exigimos, no âmbito mais geral, tem de se refletir no âmbito mais específico.
Qualitativa, porque não se trata de criticar por criticar, nem de cair em dinâmicas estéreis de culpa ou disputa. Trata-se de elevar o nível da intervenção política, de aprofundar a compreensão do momento, de enriquecer as práticas com base numa análise concreta, com critérios de classe e com sentido coletivo. A crítica que transforma é aquela que constrói, que liga, que aponta caminhos. Não é destruição, é síntese superior.
Num tempo de dispersão e ruído, a crítica revolucionária exige método, profundidade e humildade. Deve estar enraizada no compromisso com a luta e com o coletivo, porque só assim se poderá rumar à transformação da realidade do nosso vizinho, do nosso colega, do nosso amigo. Por eles e com eles. Deve alimentar-se da prática e voltar a ela, numa espiral ascendente de transformação — pessoal e coletiva.
Síntese e antítese.
Como o coloca, magistralmente, Gramsci, na sua coletânea Cadernos do Cárcere, “o velho mundo agoniza, um novo mundo tarda a nascer, e, nesse claro-escuro, irrompem os monstros”. Já Avelãs Nunes, no seu mais recente livro sobre a guerra da Ucrânia, reutiliza esta frase para resumir, em título, as suas conclusões sobre o estado a que chegámos [6]. Ambos nos desafiam a remar contra a corrente, e a nossa simples existência é resistir e frustrar a ordem do caos atual.
O nosso futuro próximo não passa por críticas gratuitas, tampouco por histerismos ou fatalismos. Passa, sim, pelo cerrar de fileiras, pela delimitação do nosso lado da barricada, pela alternativa patriótica e de esquerda. Passa, mais do que nunca, por nos assumirmos como comunistas, como membros do PCP ou apenas como amigos ou combatentes, integrados neste projeto emancipador do nosso povo.
Vasco Gonçalves, num dos seus comícios, esclarecia que “ou se está com revolução, ou se está com a reação; não há terceiras vias”. Hoje e sempre assumimos o nosso lado e, certamente, conseguiremos demonstrar de que lado estão os outros.
Nota final: A título de exemplo e de homenagem, faço referência a alguns textos seminais que creio serem simples e úteis às lutas de hoje. Mais do que uma citação direta, procura-se provocar um pouco a leitura e a ação politico-teórica.
[1] Meadows, Donella (1999). Leverage Points: Places to Intervene in a System. Hartland: The Sustainability Institute.
[2] Cabral, Amílcar (1969). Alguns princípios do Partido. Semiários de Quadros, PAIGC.
[3] Marx, Karl (1843). Crítica da Filosofia do Direito de Hegel.
[4] Cunhal, Álvaro (1985). O Partido com Paredes de Vidro. Lisboa: Edições Avante!.
[5] Engels, Friedrich (1982). A Dialética da Natureza.
[6] Avelãs, Nunes (2022). O Mundo Velho Está a Morrer. O Novo Ainda Não Nasceu. Este é o Tempo dos Monstros. Página a Página.
25 Maio, 2025 às
Ler este texto, ideologicamente perfeito, e discuti-lo parágrafo por parágrafo nas organizações para poder estruturar o trabalho militante.
24 Maio, 2025 às
25 de ABRIL SEMPRE, FASCISMO NUNCA MAIS!