Que seria de nós sem o Marco?

Nacional

Disseram-te que viveste acima das tuas possibilidades. Que tinham gasto o dinheiro dos teus impostos em investimentos públicos. Que tinhas direitos a mais. Que não trabalhavas o suficiente. Os poderosos deste país, com a ajuda do PS, do PSD e do CDS, fizeram-te uma verdadeira “inception”. Pouco a pouco, conseguiram inculcar-te a ideia de que o Estado é uma entidade estranha nas relações sociais, que os teus direitos são caprichos, que o teu tempo todo – livre ou de trabalho – pertence ao patrão, que as escolas são para quem pode pagar, que os filhos dos pobres nasceram para obedecer e os dos ricos nasceram para mandar. No essencial, pouco a pouco, transformaram o pensamento dos trabalhadores no pensamento de um patrão.

E nada pior para um trabalhador do que pensar pela cabeça do patrão. Porque quanto mais igual for o pensamento, mais diferente será o rendimento.

Essa injecção de ideologia burguesa afecta-nos a todos, rodeia-nos, cerca-nos e infecta-nos. É o pensamento dominante, a lógica dominante e a cultura dominante, a hegemonia. E nenhum de nós lhe é imune. Os ídolos, os exemplos, os elementos de diversão, a educação, o funcionamento das empresas privadas e a cultura do indivíduo, o culto do consumo e a igreja da exploração entram-nos pela vida adentro, mesmo sem pedir licença e sem convite.
E foi também por isso que Teixeira dos Santos e Sócrates, com o apoio do PSD e do CDS, dirigidos por Passos Coelho e Paulo Portas, conseguiram convencer milhões de portugueses de que era necessário pedir um empréstimo para garantir os pagamentos do Estado, nomeadamente salários e pensões. Para isso, foi preciso esconder ou normalizar durante décadas a corrupção e promiscuidade, os salários principescos, as regalias e caprichos dos senhores do dinheiro e dos seus “gestores de topo” e apontar um foco para as despesas públicas, quer as de gastos necessários com gestão corrente do Estado, quer as de investimento. Ou seja, se uma empresa privada não paga salários dignos, nem impostos e assenta arraiais no Luxemburgo ou na Holanda e por isso fica com lucros absurdos, é louvável que gaste o dinheiro em mais call-centres e “graças a Deus que há quem ainda nos dê emprego”, mas já se o Estado constrói uma escola é um “vê se te avias” que “onde é que vai buscar o dinheiro?!”.

Com isto, escondem-nos a perversidade do funcionamento do sistema capitalista. Enquanto o a grande empresa privada baixa salários, foge aos impostos, desrespeita a vida profissional, familiar e social dos trabalhadores, ganha milhões que são vistos como resultado do “mérito do empreendedorismo e da cultura do risco”. Já o Estado que fica empobrecido pelo facto de essa grande empresa não pagar salários dignos e de fugir aos impostos porque tem sede nas Ilhas Virgens Britânicas, é um monstro que gasta os nossos recursos em escolas, hospitais, tribunais, segurança pública, e essas tretas que podiam bem ser feitas por privados que saía mais em conta. E é isso mesmo que vai acontecendo. Só que não sai mais em conta pelo simples facto de que as empresas que ficam com as escolas, os hospitais, a segurança pública e qualquer dia até com os tribunais, se comportam na verdade como a primeira grande empresa referida e, portanto, a cada privatização mais longe ficamos do equilíbrio necessário entre a actividade económica privada, pública e cooperativa.

A realidade, porém, mostra-nos que o processo de “impressão” da ideologia burguesa tem resultado na psique colectiva e no pensamento político das massas. Só assim, uma parte significativa dos portugueses aceitou passar por menino mimado que vivia acima das suas possibilidades e pedir ajuda às “instituições estrangeiras” para nos salvar da miséria em que o Estado nos tinha posto. No meio dessa confusão toda, só os comunistas e os sindicatos de classe não vergaram e passaram por irredutíveis gauleses, acantonados numa postura soberanista incompreensível para com quem nos vinha cá “ajudar” a salvar o país da bancarrota. E o raio dos comunistas continuava a apontar o dedo aos grupos monopolistas, à banca e às políticas de direita e a falar do euro e da União Europeia como se o mundo fosse o mesmo desde que Marx escreveu o Capital.

Ora, estamos agora em Janeiro de 2016, 5 anos passados sobre Maio de 2011, altura em que foi assinado o tratado de submissão entre os representantes da República e as instituições estrangeiras. 5 anos após a invasão a pedido da grande burguesia nacional com a condescendência consciente ou involuntária da pequena-burguesia, a incompreensão de importantes sectores populares e a resistência de amplos sectores de camadas intermédias, jovens, trabalhadores e reformados, insuficiente ainda assim para desmascarar por completo a política em curso e para derrotar o Governo PSD/CDS de serviço. Mas, voltando aos 5 anos passados, eis que as notícias de 11 de Janeiro de vários órgãos de comunicação social vêm comprovar aquilo que o PCP sempre disse: que o pacto de agressão e submissão não era um empréstimo para resgatar as contas públicas, mas um verdadeiro sequestro das contas públicas, da democracia, da república, para resgatar a banca.

Dizem-nos os jornais e até o esquerda-ponto-net, como se a coisa fosse nova, a 11 de Janeiro, aquilo que há meses atrás o PCP denunciou, que os portugueses já assumiram ajudas à banca num valor de 86 mil milhões de euros. Ora, relembro que o “empréstimo” da troika ascendeu a 82 mil milhões de euros e que ficou um pouco abaixo disso porque o Governo decidiu fazer um número de propaganda e “abdicou” da última tranche do “empréstimo” e até conseguiu uma “saída limpa”. Limpinho, limpinho.

Mas então… então os cerca de 80 mil milhões que os portugueses tiveram de contrair como dívida ao FMI, ao Banco Central Europeu e à União Europeia não foram para pagar salários e pensões? Não foram para pôr as contas públicas em ordem? Como podem ter ido todos parar à banca?

Disseram-nos que o “empréstimo da troika” ia ser para pôr o país em ordem e que ia ser constituído um fundo de 12 mil milhões para emprestar a bancos que necessitassem de recapitalização e o resto seria para o que fosse preciso. Depois, os deputados comunistas na Assembleia da República perguntaram ao Governo e os do parlamento europeu perguntaram à Comissão Europeia quanto daquele dinheiro ia ser pago em juros e ficámos a saber que em juros iria qualquer coisa como 35 mil milhões de euros. Restavam então cerca de 30 mil milhões para o “financiamento à economia”. Olhando agora é fácil dizer que não só esse dinheiro nunca chegou à economia, como, na verdade, em 4 anos, lhe foi quase totalmente subtraído.

Como foi então gasto o dinheiro da troika? 12 mil milhões para recapitalizar bancos. 35 mil milhões para pagar juros. 30 mil milhões em garantias bancárias. Ah e tal, mas garantias bancárias não implicam necessariamente gastos. Pois, basta ver como funcionam:

A banca precisa de dinheiro e tem de se endividar no estrangeiro porque andou numa orgia de lucros à custa dos depósitos dos cidadãos, mas os bancos estrangeiros – que gostam de fazer o mesmo mas não são parvos – não emprestam aos bancos portugueses porque sabem que os bancos portugueses não têm dinheiro para pagar os empréstimo. Então é simples, os bancos portugueses pedem ao Estado Português uma garantia e assim, com obrigações garantidas pelo Estado, os bancos portugueses vão aos bancos estrangeiros e dizem: “precisamos de crédito e se nós não pagarmos, o Estado português paga.” E ficam todos muito satisfeitos porque é um negócio da china para o banco estrangeiro e para o banco português. E o Estado português farta-se de ganhar porque sempre que emite uma garantia, recebe juros. O problema é que o Estado vai logo a correr gastar o que recebe de juros num outro banco, contratando um SWAP para fazer o seguro da garantia emitida. Então, mas o Estado para emitir uma garantia tem de ter o dinheiro e para ter o dinheiro tem de emitir dívida. Isso mesmo.

O Estado pede emprestado para dar garantias aos bancos para pedirem emprestado a outros bancos. Depois, os bancos que recebem a garantia já podem endividar-se porque têm fiador. Entretanto, como o Estado é fiador dos bancos que pedem emprestado, tem de pagar juros mais elevados juntos dos bancos que lhe emprestam. No fim de tudo, o Estado garantiu a liquidez de uma banca capitalista corrupta por natureza, assegurou a capitalização dos bancos, pagou os juros pelas operações, e depois pagou a dívida cortando nos salários e pensões e ainda arranjou maneira de aliviar ou anular por completo os impostos dos bancos e dos grupos monopolistas como bónus por terem contribuído para um país mais desenvolvido e moderno.

E pronto, 86 mil milhões de euros, quase o mesmo que todo um Orçamento do Estado, entregue à banca portuguesa. O que vale é que em troca disto, temos o Euro. Que seria de nós sem o Marco alemão?