Se o sal preserva a comida e lhe dá sabor, assim devem ser os seguidores de Cristo, na Terra, segundo o Evangelho de São Mateus (5:13). Teologias à parte, hoje o planeta adormece bem mais insosso. Por todos os homens que nunca foram meninos, mas, igualmente, por todos os meninos que nunca chegaram a ser homens, Sebastião Salgado não só preservou a memória como imortalizou as lutas de gente sem nome nem morada, concedendo-lhe um lugar nas revistas e nos jornais, nos museus e nos livros de História. Não é, portanto, um trocadilho gratuito, este que convoca Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado, feitores do belíssimo documentário “O Sal da Terra” (2014), que acompanha o percurso deste homem admirável que recordamos e culmina na elaboração de “Génesis”, uma carta de amor a todas as formas de vida após testemunhar tanta morte; uma das obras-primas do fotógrafo brasileiro que integrou um grupo armado de Marighella, durante a ditadura militar, e plantou, com a esposa Lélia, três milhões de árvores em área devastada.
Sebastião Salgado, testemunha da condição humana, retratista da luta de classes, palmilhou continentes inteiros para que pudéssemos ver, sem os filtros do neoliberalismo e o branqueamento dos seus capangas, as consequências da seca e da fome, no Sahel, e o genocídio, no Ruanda; o trabalho escravo no Bangladesh, a realidade indigna das migrações e as populações deslocadas do Afeganistão ou do Iraque; os bravos trabalhadores sem terra por esses Brasis fora, os garimpeiros da Serra Pelada, a apanha da cana-de-açúcar, em Cuba, a pesca do atum, na Sicília, e as guerras civis, no Médio Oriente; a Reforma Agrária, na América Latina, e as tradições milenares dos povos andinos; os recantos da Amazónia, o crescimento industrial chinês, a guerra nos Balcãs, ou os campos de refugiados sem fim à vista, que se multiplicam onde há populações que não se vergam.
Registou, também, no início de uma carreira ímpar, a Revolução de Abril de 1974 e a ocupação de herdades alentejanas pelos trabalhadores rurais, essa saudosa festa tão nossa onde ainda havemos de voltar. A sua lente, continuação natural do seu olhar inconformado, chorou o extenso cardápio das injustiças, as catástrofes ambientais que a ganância desencadeia, e vingou os povos massacrados, louvando a sua resistência contra os senhores da guerra e as sucessivas crises do capitalismo, que se desdobram em violência e miséria. O seu livro “Trabalhadores: uma arqueologia da era industrial” (1996), uma verdadeira epopeia visual da nossa classe e cujas seis dezenas de fotografias foram expostas na bienal da Festa do Avante!, é a compilação de vários anos de trabalho em prol de um ideal de justiça social e unidade. Como uma conta de 2+2, por entre as mais diversas geografias, no mar e no deserto; na montanha e na planície, é o trabalho que nos une a todos.
Que lhe seja leve, levezinha, esta Terra que, abnegadamente, salgou.

Trabalhadores sem terra, Brasil (1996)

Serra Pelada, Brasil (1986)

Ruanda (1994)

México (1980)

Campo de Refugiados de Benako, Tanzânia (1994)

Kuwait (1991)

Alcácer do Sal, Portugal (1975)
24 Maio, 2025 às
Que bela e tão justa homenagem ao Homem que, como bem dizes, “usou a lente como prolongamento do seu olhar inconformado”, que em cada foto nos contou as vidas, as mais duras, o tempo e as lutas de viver. E sempre com Arte, que nos obriga a entrar.
Para além do corpo que partiu, o nosso Sebastião Salgado ficará para sempre na Terra que nos ensinou a amar melhor.