Ser actriz no país da austeridade, por Luisa Ortigoso

Nacional

COISAS DO GLAMOUR

Quando aos 12 anos, numa reunião de família, me perguntaram o que queria ser no futuro, respondi com a certeza da adolescência: “Actriz, vou ser actriz!”. Toda a gente se riu. E eu resolvi que nunca mais ia falar sobre o assunto. E não falei.

O cheiro do teatro colava-se a mim de uma forma que tornava o caminho inevitável.

Quando aos 20 anos me estreei como actriz profissional, senti-me uma menina na véspera de Natal. Que emoção. Que felicidade. O teatro, as palavras partilhadas, os espectáculos, o público. A vida.

Tirando o facto de ter uma profissão que eu considerava “especial”, nada me separava de qualquer outro cidadão profissionalmente activo. Tinha um salário, os direitos de qualquer outro trabalhador (direito a baixa por doença, licença de parto, subsídio de desemprego em caso de necessidade…). Tudo estava certo.

Um dia houve um senhor (diz que agora é presidente da república) que acordou com uma ideia : “’bora lá dar recibos verdes a esta gente e eles que se desenrasquem!” . A ideia era tão boa que os recibos verdes, saíram azuis da tipografia…

Começou aí o nosso caminho para o calvário. Direitos, nenhuns. Deveres, todos. As passadeiras vermelhas escondem casas penhoradas, dívidas à segurança social, adultos que vivem com os pais, que não têm condições para terem os seus próprios filhos, que trabalham doentes para não perderem “aquele” trabalho, que trabalham 12 e 13 horas com cachés bastante inferiores aos que tinham há 15 anos, que (entre irs e segurança social) deixam ao estado mais de 50% do que ganham.

A minha “romântica” profissão, tornou-se numa luta diária pela sobrevivência para a maioria das actrizes e actores deste país.

O Estado (que devia ser de direito) tornou todos os trabalhadores de espectáculo em mentirosos militantes. Todos somos trabalhadores “independentes”, diz o estado (com letra minúscula, porque um estado assim não tem nada de grande em si, nem mesmo a letra).

Continuo a pensar que a Arte e a Cultura são um direito de todos (assegurado na Constituição da República Portuguesa. São um direito para quem usufrui e para quem faz da Arte e da Cultura a sua vida.

Continuo a querer ser o que sou. Mas quero os meus direitos de volta. Quero a minha carteira profissional de volta. Quero o meu estatuto profissional de volta. Quero a minha vida de volta.

*Autor Convidado
Luisa Ortigoso, actriz