Seu grandessíssimo animal!

Nacional

Não havendo outros pretextos, há sempre textos que vêm a pretexto de uma coisa qualquer para dizer mal do PCP. E como depois de um texto vêm muitos outros textos, eu, que sou uma insuspeita defensora dos animais (tenho crachás e autocolantes que o atestam), vou então escrever um texto sobre este texto e outros pretextos.

Existe em Portugal uma lei de protecção dos animais. Uma lei muito boa, escrita por um conhecido advogado, fundador de uma das maiores sociedades de advogados do país – a PLMJ, mais conhecida pela «sociedade do Júdice». António Maria Pereira já morreu. Era militante do PSD e foi deputado. Nessa qualidade atreveu-se a apresentar em 1992 aquela que seria a primeira iniciativa e deu origem à única lei da protecção dos animais: a Lei n.º 92/95, de 12 de Dezembro (pode consultar-se a história aqui e aqui). Enquanto a defendia, em plenário da Assembleia da República, da sua bancada (do PSD) ouviam-se zurros, gargalhadas, risos. O que levou a inflamadas intervenções de outros deputados em defesa do projecto de lei que, nesta sua segunda apresentação, era agora subscrito por todos. Ainda assim, António Maria Pereira não reagiu, insistiu e anos mais tarde, a lei entrou em vigor.

Desde então, há leis que a regulamentam. E que tal passarmos os olhos por algumas das coisas que essas leis preveem?

Por exemplo, quando o circo chega à cidade, o SEPNA (agora extinto e que estava encarregado do trabalho ambiental na GNR, agora competente) é obrigado a fiscalizar as condições dos animais, as licenças do circo, estar de piquete durante as actuações, tem que haver visita do veterinário municipal e este tem que dar o seu parecer (já voltaremos aqui).

Por exemplo: «raças perigosas». As raças de cães perigosas têm condicionamentos muito específicos. Para além de todos os detentores de animais domésticos terem que registar os seus animais (com um chip), os detentores de animais perigosos têm que ter condições para ter esses animais. Que condições? O presidente da junta pode dizer-me que eu tenho que me sujeitar a um exame psiquiátrico para ter em minha casa um rotweiller. E se eu quiser ter um rotweiller tenho que me sujeitar a esse exame (quem ainda não percebeu quantos direitos individuais isto viola, não vou mesmo dar-me ao trabalho de explicar). O presidente da junta pode ainda mandar uma equipa a minha casa ver as condições em que vivo para poder ter um rotweiller (e se, em teoria isto não me parece muito mal, escusar-me-ei de dizer que um presidente de junta não pode mandar uma equipa verificar as condições em que eu vivo para saber se tenho uma habitação digna e decente para mim).

Ainda no circo: os animais têm que ter condições para reproduzirem os seus comportamentos naturais, logo a jaula do transporte não pode ser utilizada para outra coisa que não seja o transporte. No circo, nos parques zoológicos, enfim. Podíamos falar do parque zoológico da Maia, do conhecido elefante que tocava o sino (coisa tão natural em África).

Canis e gatis municipais: pois claro que têm que ter meios – veterinários, esterilização, condições – através de transferência de verbas do Orçamento do Estado. Pois, as Câmaras é que estão impedidas de contratar (da última vez que vi pelo PS, PSD e CDS-PP) e o dinheiro tem que ser investido no saneamento, água, outras coisas que nunca vão incluir os animais (infelizmente, porque o estado em que está o nosso país graças às políticas de direita, não permitem este grau de desenvolvimento).

Pausa para reflexão: agora pensem se alguma destas coisas se verifica, apesar de estar na lei. Agora procurem quais os partidos com intervenção nesta matéria.

Pois… O PCP, não é? O PCP questionou várias vezes os vários governos sobre a manutenção dos parques zoológicos. Questionou sobre o desaparecimento de animais errantes quando o circo chega à cidade, sobre a manutenção desses animais nas jaulas todo o seu tempo de vida, sobre a utilização de espécies protegidas que não podem ser comercializadas nem mantidas em cativeiro, questionou sobre o papel das entidades competentes que não cumprem a lei, exigiu financiamento para os canis e gatis municipais, para a direcção geral de veterinária, apresentou várias propostas legislativas no sentido da não utilização de animais em espectáculos e a criação de espaços naturais (santuários) para recuperação as espécies selvagens e dos animais domésticos. E quem mais fez isto? Pois, é isso.

Agora explode a raiva generalizada porque o PCP votou contra a privação de liberdade de pessoas que maltratem os animais domésticos. Ora: canários, peixes, cães, gatos, coelhos, porquinhos da índia e por aí fora. Estamos, pois, a falar da consequência máxima e mais violenta – a privação da liberdade. E se as lutas de cães, de galos, etc devem ter punições fortes, a pena de prisão pode aplicar-se, por exemplo, nas seguintes situações:

– uma criança mata um pássaro para se vingar da vizinha que lhe ficou com a bola de futebol e fá-lo com requintes de malvadez. Tem 16 anos – já tem maioridade penal, já pode ser responsabilizado e pode, por exemplo, ficar com pulseira electrónica e ir para um instituto correcional.

– a avó matou os gatos que nasceram, afogou-os. O neto fica horrorizado e faz queixa da avó. A avó é condenada a 6 meses de prisão efectiva.

– eu tenho uma rotweiller. Ela entrou numa luta de rua com outro cão. O meu vizinho odeia-me e à minha cadela. Faz queixa de mim e eu sou sujeita a um processo-crime em que tenho que provar que não incito nem nunca incitei a minha cadela a comportamentos violentos e a tratei mal. Acontece que sou conhecida por gostar de futebol, estar no meio das claques, andar em manifestações – comportamentos que podem ser considerados subversivos e tenho o Ministério Público a sujeitar-me a medidas de coacção durante o processo-crime, a minha vida é devassada e investigada, e pelo meio, quem sabe, os objectivos podem ser outros.

Será que estes exemplos serão suficientes para explicar a perigosidade de se defender penas de prisão? A protecção animal tem um caminho muito grande para percorrer antes da repressão. Começando pelas escolas, pelos canis e gatis municipais, pela alteração da lei que determina que ao fim de 8 dias de captura os animais errantes são abatidos, pela dotação de meios aos veterinários municipais, pelo fim dos animais nas actividades de espectáculo (sim eu sou contra as touradas), por campanhas de esterilização animal gratuitas, pelo iva a 6% da comida para os animais, pelo respeito pelo desenvolvimento animal no seu meio, pelo fim gradual da utilização de animais sencientes na investigação, pela efectiva protecção das espécies em vias de extinção… Tanta, mas tanta coisa por fazer.

Mas não, esqueçamos isto tudo. O que é importante é prender pessoas afirmando bem alto que gostamos muito dos animais. Particularmente quando quem vota favoravelmente o projecto lei são pessoas responsáveis pelas maiores atrocidades contra os seres humanos e de repente toda a gente decidiu esquecer-se disso e falar mal do PCP.