Sobre irresponsabilidades, tiros nos pés e outras considerações

Nacional

Chegado a casa da cerimónia do 1º de Maio, promovida pela CGTP-IN em articulação com as autoridades de saúde, da protecção civil e de segurança, deparo-me com montes de polícias e epidemiologistas de sofá que nas redes sociais condenam veementemente aquilo que aconteceu.

De um lado, mais despolitizado ou de direita, a conversa da irresponsabilidade.
Não, meus amigos.
– Irresponsável é manter uma série de serviços não essenciais em funcionamento, obrigando milhares de trabalhadores a deslocarem-se diariamente aos seus locais de trabalho.
– Irresponsável é ter deixado que as operadoras de transportes públicos reduzissem as carreiras em tempo de pandemia, obrigando quem os utiliza a ir lá dentro, como sardinha enlatada, sem qualquer respeito por distâncias de segurança ou lotação.
– Irresponsável foi ter deixado que os trabalhadores que ficam em casa a tomar conta dos filhos vejam o seu vencimento reduzido para 66%, ou que na hipótese de ser possível o teletrabalho a um dos tutores da criança, o outro tutor fique impedido de aceder a esse apoio.
– Irresponsável é não ter impedido os despedimentos, a caducidade dos contratos a prazo, a dispensa de trabalhadores em período experimental e a recibos verdes, muitos dos quais sem condições para aceder a qualquer subsídio de desemprego que o ajude a atravessar a pandemia.
– Irresponsável é mandar os trabalhadores de serviços essenciais, como os profissionais de saúde, de limpeza e higiene urbana, dos serviços de água e salubridade, das superfícies comerciais de abastecimento, e muitos outros, irem trabalhar como se não se passasse nada, sem direito a um subsídio de risco.
Resumidamente: Irresponsável foi não terem sido tomadas medidas para que não saiamos desta crise como saímos das outras todas – mais pobres e mais desprotegidos, para que uns poucos possam ter os cofres mais cheios.

Por outro lado, de malta mais de esquerda, houve quem achasse que foi um tiro no pé, porque vamos ficar mal-vistos aos olhos da opinião pública. É legítimo, mas acompanha-me aqui neste raciocínio:

A “opinião pública” não existe. Cada um de nós tem a sua opinião, e as nossas opiniões todas não se podem condensar numa só. Mas claro que existe uma opinião pública, que é aquela que é publicada pelos fazedores de opinião. E quanto a essa, recordo-te que a opinião dominante é a da cultura dominante, que é a da classe dominante. Os media, sejam eles privados ou públicos mas sujeitos aos interesses de classe de estados burgueses, não publicam a tua opinião, publicam a opinião do patrão de forma a que tu penses que é a tua.

Mas ainda assim, assumindo a questão do tiro no pé. Isto não foi um tiro no pé.
– Um tiro no pé foi termos deixado que a nossa conquista das oito horas de trabalho nos fosse roubada, quando nos obrigaram a fazer oito horas de trabalho efectivo e mais uma de refeição, em vez da hora de refeição ser contada como horário de serviço.
– Um tiro no pé foi termos deixado que as grande superfícies comerciais estivessem abertas ao Sábado, e depois ao Domingo de manhã, e depois Domingo o dia todo, e depois até nos feriados mais importantes, como o 1º de Maio.
– Um tiro no pé foi termos colocado os nossos interesses enquanto consumidores à frente dos nos nossos direitos enquanto trabalhadores, e termos consentido que existam desgraçados de Segunda a Domingo até de madrugada num callcenter para atender a nossa necessidade urgente de mudar de tarifário.
– Um tiro no pé foi termos aceitado a desregulação dos horários de trabalho, que hoje em dia afecta 40% do aparelho produtivo, em nome da “competitividade” da economia.

Concluindo:

“Irresponsável” teria sido não estarmos lá. Porque a responsabilidade da CGTP-IN, maior central sindical nacional, é precisamente defender os direitos dos trabalhadores sempre que é necessário e seja onde for, porque é isso que os trabalhadores esperam de nós.
“Tiro no pé” teria sido não estarmos lá. Porque estaríamos a trair a confiança dos quase dois milhões de trabalhadores que já foram afectados por lay-offs, despedimentos, caducidades de contrato, dispensas em período experimental, rescisões de prestação de serviços e todas as outras artimanhas que o capital usa para se ver livre dum trabalhador assim que este deixa de lhe ser útil. Trabalhadores esses que quando se viram confrontados com essa injustiça não recorreram à SIC, ou à TVI, ou ao governo, ou ao Marcelo, ou ao Ventura. Recorreram à CGTP-IN, porque é nela que depositam a sua confiança na hora de defender os seus interesses.

E foi em nome desses trabalhadores, e de todos os outros, que a CGTP-IN lá esteve, tendo sido aprovada uma resolução que podem ler aqui.

Por último: muitos daqueles que criticam a realização do 1º de Maio em contexto de estado de emergência nunca o apoiaram quando o estado de emergência não existia. Este ano tiveram esta crítica, mas já o ano passado tiveram outra, e para o ano que vem nova crítica terão. A vossa vontade era mesmo que os trabalhadores não tivessem voz. Mas é precisamente por isso que temos de continuar a defender Abril, Maio, e já agora, Outubro.

VIVA O 1º DE MAIO!

4 Comments

  • Jose

    3 Maio, 2020 às

    Foram de camioneta e de vários concelhos para uma extraordinária demonstração de 'ordem unida'.
    Os sargentos da CGTP merecem um louvor!
    Quanto ao país, fica a saber mais uma vez do que se gasta neste circo…

    • Nunes

      4 Maio, 2020 às

      Caramba, José. Estás cheio de «Covid» na boca e no c*

      Não te esqueças de usar a máscara. Não te esqueças que a tua é a interior (para o cérebro).

  • Unknown

    2 Maio, 2020 às

    E foi uma prova da independência do movimento operario e sindical , a CGTP não é um departamento do aparelho de estado,decisão mais que correta

  • Nunes

    2 Maio, 2020 às

    Foi a prova que entre alguns trabalhadores existe organização e vontade de lutar contra um patronato cada vez mais ganancioso e explorador.

    Até contrataram o anormal do «pivot» Bento Rodrigues para fazer uma peça queixosa no seu boletim (des)informativo da SIC, ao almoço. O próprio intercedeu pela Igreja Católica e pela procissão do 13 de Maio.

    É a prova que esta jornada foi positiva. Os patrões e seus correlegionários, tal como Bruno Bobone, devem estar com dores de cabeça. Ver trabalhadores organizados, disciplinados e com a bandeira vermelha é mau sinal para eles.

    Virão mais dias de luta.

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