Solenes

Nacional

É com perdigotos saltando pela boca que o fazem os que agora se opõem ferozmente à sessão solene de boas-vindas ao presidente Lula da Silva no dia 25 de Abril na Assembleia da República (uma hora e meia antes da sessão solene sobre o próprio 25 de Abril no mesmo local), argumentando, de testa franzida, com a importância da data e evocando a soberania. São os mesmos que aprovaram ou saudaram a colocação da bandeira da UE na fachada da mesma assembleia há apenas alguns meses.

Levavam na altura fatos a condizer com orgulhosos perfis de Estado mesmo apropriados para observar o pano azul ondulando lá no cimo. São os mesmos que aprovaram e bateram palmas longamente, cheios de orgulho, a uma sessão solene com Zelensky há precisamente um ano, sessão que serviu para o sipaio ucraniano mendigar armas e os deputados portugueses esquecerem o n.º 2 do artigo 7.º da Constituição [Portugal preconiza (…) o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos]. São os mesmos que, plenos de sentido de responsabilidade, acenando negativamente com a cabeça como quem desaprova exibindo uma muda superioridade, diziam, em 2020, que era perfeitamente dispensável assinalar o 25 de Abril numa sessão solene, ainda que reservada e reduzida, porque valores mais altos se levantavam (mesmo que a Assembleia estivesse nessa mesma altura a reunir, em condições um pouco menos restritas, com regularidade). E são os mesmos que conviveram bem e em harmonia, ostentando os fatos adequados para estar ao pé de monarcas, com sessões solenes com o foragido rei Juan Carlos de Espanha os que agora se impertigam com uma sessão solene com um ex-condenado.

Para cereja no topo do bolo dos vociferantes hipócritas, os ânimos exaltaram-se depois de Lula ter dito que os EUA e a UE contribuem para incentivar e desenvolver a guerra e que eram necessárias negociações de paz. Isto passa-se quando, se outros argumentos e provas faltassem, vários líderes europeus terem confessado que os acordos de Minsk não eram para estabelecer a paz, mas sim para ganhar tempo para armar a Ucrânia. Isto passa-se também a poucos meses da vinda do papa Francisco a Portugal, um homem que tem dito o mesmo que disse Lula, quer quanto às responsabilidades dos EUA e da UE, quer quanto à necessidade de lutar pela paz.

Independentemente do que cada um possa pensar sobre Lula da Silva e sobre a pertinência de uma sessão solene no parlamento com o mesmo e sobre a data em que ocorre, são os pés de barro, as inconsistências, as incoerências, a arrogância e o fingimento de virtudes inexistentes da parte quem mostra indignação que nos deve preocupar. É esta a peça a que assistimos quotidianamente: a das paixões ao rubro. As cenas vão sendo esquecidas graças à intensidade emocional. O público que assiste à representação sem atender ao guião não se apercebe que não é nos diálogos nem na gesticulação dos actores que se desenvolvem as cenas, é ali mesmo, no desmoronar do edifício deste teatro que é o mundo que se passa história.

1 Comment

  • José Rato

    23 Abril, 2023 às

    Claro que a camarilha reacionária existente neste momento no parlamento é de facto culpa de quem deu uma maioria a alguém que tinha provas dadas que faria alianças à direita, daí que muitos destes actores são farinha do mesmo saco, portanto a meu ver o povo tem que entender que “vozes de burro não chegam ao céu” e calar o “burro de” vez, sabemos que as Tvs são caixas de ressonância da direita e que diariamente se mente sobre tudo e mais alguma coisa.

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