Sr. Kennedy, não deixe os russos bombardearem o Pólo Norte por causa do pai natal

Internacional

Por motivos que desconheço, a televisão portuguesa, durante dois dias, noticiou ininterruptamente uma carta não ao pai natal, mas ao presidente Kennedy. Dos anos 60, portanto. Não tive conhecimento de qualquer ataque bombista na Lapónia, de aumento de tensões entre Rússia e EUA, da morte de mais um Kennedy, nada. Gratuitamente esta notícia importantíssima passou em vários canais. A única ligação remota que lhe encontrei foi o facto de um dos petiscos finlandeses mais conhecidos ser com carne de rena. Nada mais.

A notícia era então uma carta de Michelle, uma menina do Ohio que «como qualquer criança de 8 anos acreditava genuinamente no pai natal», de acordo com a TSF (dados científicos, certamente). Dado que os pais não lhe conseguiram responder o que aconteceria ao pai natal se o Pólo Norte fosse bombardeado, vai de escrever à Casa Branca (o que não deixa de ser absolutamente extraordinário que uma criança escreva para a Casa Branca e a carta seja lida e respondida pelo presidente): «Querido Senhor Kennedy, por favor pare os russos. Não os deixe bombardear o Polo Norte por causa do Pai Natal». Só isto, uma linha.

Terá respondido Kennedy: «Querida Michelle. Fiquei muito feliz por receber a tua carta com as tuas preocupações com o Pai Natal. Eu também estou preocupado», em 1961, preocupado com todas as pessoas do mundo.

A morte de milhares de americanos no Vietname não fez parte de nenhuma reportagem ou resposta. Também o não foi a invasão da Baía dos Porcos em Cuba.  O director do FBI durante a administração Kennedy, J.Edgar Hoover e a sua caça aos comunistas e activistas dos direitos civis, o seu ódio pessoal e admitido a Malcom X ou Martin Luther King e a utilização do FBI para a investigação de cidadãos americanos também não fez parte da carta ou dos noticiários.

A segregação racial, ou apartheid tão falados recentemente aquando da morte de Mandela, não foi falado mas ali estava nos EUA, combatido pela Organização para a Unidade Afro-Americana e tantas outras organizações americanas. Cerca de 4,5 mil afro-americanos foram linchados nos Estados Unidos entre 1882 e o início da década de 1950.

Os milhares de pobres fabricados pelo Plano Marshall e a «prosperidade» americana, amontoados em guetos suburbanos, a manutenção da Nato, da doutrina Truman, a invasão do Líbano, a perseguição de comunistas e de afro-americanos, nada disto se falou.

Não. Por favor Sr. Kennedy não deixe morrer o pai natal. O estilo de vida do branco americano é fundamental. Bombardeie à vontade países soberanos. Linche a população afro-americana e destrua as organizações de resistência. Envie os americanos aos milhares para a sua morte em guerras injustas.Continue a democratizar o mundo. A menina de oito anos agradece, os pais agradecem, o povo agradece. É, afinal, o líder do mundo livre. E a menina de oito anos não dispensa a Barbie no natal.