«Marcelo abdica de carro de 150 mil euros. Marcelo paga viagem do seu bolso. Marcelo jejua para poupar. Marcelo foi a França a pé. Marcelo vai ao Brasil a nado. Marcelo compra iogurtes no Lidl em final de prazo de validade. Marcelo desliga televisão na tomada para não gastar em stand-by. Marcelo promulga leis no papel que embrulhou o bacalhau. Marcelo só descarrega o autoclismo uma vez. Por semana. Marcelo desliga o carro nas descidas. Marcelo usa chinelos dos chineses. Marcelo não lava as cuecas todas as semanas. Marcelo vira-as do avesso.»
Ele adora, a comunicação social rejubila. Gestos sempre simbólicos e repletos de sincera humildade para dar o exemplo, beijinhos e simpatias para a fotografia da proximidade. “Vejam como Marcelo é um dos nossos”, “um de nós”, “simples, acessível e sério”, grita diariamente a imprensa, com títulos garrafais arranjados a preceito, assumindo por completo a posição “de baixo” face àquele “deus” que está “lá em cima”. Mas ele “desce” até “nós”, os plebeus. Tal como qualquer “um de nós”, Marcelo paga uma viagem de Falcon do seu próprio bolso. Tal como qualquer “um de nós”, Marcelo rejeita andar num carro de 150 mil euros, porque pode perfeitamente andar numa latinha de 15 ou 20 mil, carro este com que, aliás, qualquer “um de nós” tem de se contentar. Não importa que tenha o que tem para pagar “do seu bolso”; importa que pague “do seu bolso”, o que é sempre em última instância um exemplar gesto de “sacrifício” e “sacrifício pela pátria”. Mas como qualquer cidadão do seu país, normal, como gente comum, Marcelo puxa do molhe de notas e zás!!, fica o voo de Falcon pago e não se fala mais nisso.
Este presidente é “um dos nossos”. Este presidente “é cá da terra”. Este presidente é “humilde” e as coisas acontecem sempre com imensa naturalidade. Tudo espontâneo e impreparado. Este líder político é muito poupado e exemplar. Não que seja novidade, porque já Salazar dava o exemplo “sendo pobre e morrendo pobre”. Mas que presidente e que país maravilhoso este. Que sorte temos. E domingo vamos ganhar. Com o “dos nossos” na flash interview, quem sabe?! O presidente é bem capaz de marcar um golo. Mas descalço, para não gastar as “botas”.