Uma Espiral de Aldrabice

Nacional

Dez demissões em nove meses. Uma maioria absoluta provadamente «fortíssima». Um PS abalado aqui e ali pelas movimentações tectónicas de «casos e casinhos» que, afinal, são qualquer coisa mais do que pareciam e diziam ser de início os seus responsáveis políticos, e muito particularmente, António Costa. Só que o problema fundamental não é, porém, a mudança de nomes ou de figuras neste ou naquele posto, por mais sucessivas que sejam tais alterações de gabinete. O problema é a espiral de aldrabice, o hábito especial que este governo tem de mentir sobre todo e qualquer assunto. O problema é o mal que, com a mentira, este governo está de facto a fazer ao país.

Há, de facto, um padrão a sublinhar nestas demissões. Todas elas foram inicialmente mais do que desvalorizadas, deram origem a justificações que foram mentiras «oficiais», obrigaram Costa a largar pantufas e a ter declarações enervadinhas e até insultuosas, classificando as borrascas como «casos e casinhos». Na verdade, o PS meteu-se numa espiral de aldrabice como provavelmente nunca vimos. Este governo mente, e mente despudoradamente todos os dias, contando que os golpes palacianos de imprensa – que não está a conseguir aplacar – abafem realidades que são mais do que incómodas, são politicamente fatais para os envolvidos.

No que concerne aos «elevadores» da política, ao trampolinismo e à colocação dos seus no comando das operações-chave – do governo até às juntas de freguesia –, o PS já deu mostras históricas de ser inegavelmente muito mais eficaz do que o PSD. É uma gigantesca escola de «furões», uma universidade de caciques, uma fábrica de oportunistas e jovenzinhos vácuos que ambicionam uma vida fácil de gabinete e de «gestão» de qualquer coisa, que com ventos favoráveis de maiorias absolutas para muitos se tornam de facto alcançáveis. Às vezes, o topo desta escala atinge o nível da falta de vergonha, os números tornam-se evidentes e os escândalos acabam por «rebentar». É tapar a asneira com uma demissão e está o assunto «politicamente» resolvido. E a «escola», essa, continua.

Foram muitas as demissões – e outras por ventura ainda estarão por acontecer – mas a mentira maior do PS está, recorde-se, na lei do Orçamento do Estado. Venderam a quem a quis comprar e de forma imbecil a ideia de «orçamento mais à esquerda», sendo o rótulo em si mesmo uma mentira em cima de outra gigante mentira. Construíram-no com arrogância despudorada, não ouviram ninguém, rejeitaram propostas, calcaram todas as hipotéticas convergências. Os números caem todos os dias em cima das falácias e desmontam a cada passo as tramas financeiras do velhaco «dar com uma mão e tirar com a outra», porque é disto que se trata. Apressaram-se a tentar minimizar danos com subsídios únicos fortuitos, subindo salários e pensões por valores aquém da inflação, recusando tirar o país da situação onde os salários são, continuam e continuarão a ser dos piores entre os congéneres europeus.

Este governo PS está a sentir, pontualmente, o impacto da mentira e da arrogância. E a direitolândia, da liberal-folclórica, à fascizante e à caquética, passe a redundância, acha que isto será o fim de Costa. Isto é, de facto, um problema para um Costa que vive a pensar no que a direita diz, e uma direita que vive a pensar no que Costa pensa. Mas, na realidade concreta, na vida de quem vive do seu salário e da sua pensão, que ninguém se iluda: não são estas questiúnculas que vão mudar as políticas. Só uma outra luta, contra a situação de fundo, será antídoto para os efeitos perniciosos da mentira.