Uma pipa de chantagem

Internacional

Em Julho de 2014 o então presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, veio a Portugal anunciar 26 mil milhões de euros de fundos comunitários para apoiar Portugal e a sua economia. Nessa altura referiu-se aos “apoios” comunitários como “uma pipa de massa”, e prescreveu uma mordaça àqueles que “dizem que UE não é solidária”. Acontece que dois anos passaram, Barroso alcançou a reforma dourada no polvo financeiro norte-americano Goldman Sachs, e a “pipa de massa” comunitária passou a ser uma arma de chantagem da burocracia de Bruxelas contra Portugal e o tímido exercício de soberania que inverteu algumas das muitas malfeitorias levadas a cabo pelo governo PSD/CDS entre 2011 e o fim de 2015.

O último episódio desta novela de mau gosto e piores interpretes parece ter como protagonista o vice-presidente da Comissão, de sua graça Valdis Dombrovskis. De acordo com o Expresso online, o senhor Dombrovskis terá afirmado no final da reunião do ECOFIN que “a questão da suspensão parcial de fundos estruturais e de investimento para Portugal e Espanha, que está a ser discutida entre o Parlamento (Europeu) e a Comissão, vai depender, em larga medida, das propostas dos Governos de Portugal e Espanha para os orçamentos do próximo ano“, o que na prática significa apenas e tão somente isto: a União Europeia penalizará com suspensão de fundos qualquer decisão soberana de Portugal e das suas instituições que fure o dogma que desde há longa data impera nos corredores e nos gabinetes de ex e futuros banqueiros.

Chantagem e intimidação têm sido pratos fortes da relação entre Bruxelas e o governo português saído das eleições de Outubro de 2015. Não contentes com três décadas de sucessivas limitações ao livre desenvolvimento da economia nacional, dezasseis anos de imposição do marco-europeu à economia portuguesa e quatro anos de desgraçada “austeridade” que dizimou por completo a economia e a sociedade portuguesa, os burocratas em torno de Merkel, Schauble e Juncker preparam-se para exercer novamente um poder que ninguém lhes delegou, asfixiando países e povos cujas economias estão desde há muito configuradas de acordo com as necessidades de terceiros.

Por cá não faltarão nos próximos dias apelos à “responsabilidade” e ao “sentido de Estado” do PS e do seu governo. As referências alucinadas às influências “soviéticas” da chamada “geringonça” regressarão à artificialmente inflamada retórica parlamentar e mediática de PSD e CDS. E os seus “pundits” cumprirão diligentemente a função para a qual fora designados, cada um no seu espaços de “opinião”. O que nenhum dirá a este povo é que a chantagem e a intimidação comunitária passou a ser exercida quotidianamente sobre Portugal e o seu povo já sem qualquer disfarce nem vergonha.

Portugal não deve, enquanto permanecer como estado da chamada “zona euro” e da chamada “União Europeia”, prescindir de lutar pelos seus direitos, incluindo pelos “apoios” comunitários que não são mais do que compensações por três década de constante desmantelamento e destruição da economia nacional. Não existe de resto qualquer contradição entre a reivindicação dos apoios previstos e a constatação de que não há apoios alguns que compensem a lógica de submissão imposta pela Alemanha e suas instituições satélite aos países que assumem o papel de figurantes na sua reafirmação internacional como potência imperial cheia de ambições sobre o espaço que, afirme-o ou não, continua a considerar pertencer-lhe.