As eleições e a política interna venezuelana sempre despertaram um enorme e especial interesse dos governantes europeus e norte-americanos. Este «amor» não vem de agora. Não porque a Venezuela tenha 300,9 mil milhões de barris de reservas comprovadas de petróleo bruto, as maiores reservas petrolíferas do mundo, mas porque “nós, ocidentais” o que queremos é democracia e paz no mundo. Só isso.
Tínhamos já visto o «Espectáculo Bugalho», curiosamente com a personagem mais apropriada para o efeito, essa “vítima” que foi sujeita à violência ultrajante da “cassação” do seu passaporte por “um par de horas”, o que fez com que, à chegada à Portugal, Bugalho tivesse certamente que se deslocar a uma urgência hospitalar (daquelas que o seu governo não fechou…) só por mera precaução e para ver se estava tudo bem. Uma encenação sonsa, cínica, que foi o envio forçado de uma delegação da União Europeia à Venezuela, sabendo-se que a UE já tinha sido informada de que não o podia fazer desde 29 de Maio (!) e ainda assim decidiu embarcar os seus «missionários» com o intuito provocatório de os ver “barrados” pela “ditadura”. E também não se noticia, por um qualquer «esquecimento», que a UE foi desconvidada na sequência do garrote de sanções que, em estreita aliança com os ditames dos EUA, tem vindo a impor àquele país e que tem pautado cada vez mais a sua política “diplomática” e “pacífica”.
Hoje de manhã, o inefável Augusto Santos Silva, especialista em assuntos Venezuelanos e que ainda tem no peito a tatuagem com o rosto do auto-proclamado presidente Guaidó, dizia que estas eleições só podiam ter um único resultado: a vitória da oposição. No melhor tom democrático, disse o “malhante” que “todos os estudos de opinião davam a vitória à oposição” (quando se quer elevar a patamares de académica seriedade aquilo que nos pode ser favorável não se pode chamar só ‘sondagens’, como aquelas que em Portugal falham consecutivamente, mas sim ‘estudos de opinião’, porque na Venezuela elas acertam sempre). Postulou ainda Santos Silva que, como “valor” em si mesmo, “a oposição estava toda unida numa só candidatura” (porque sabemos o quão nefasto e até chato se tornaria essa ‘divisão’ e esse ‘sintoma’ de pluralidade em quem faz apologia do mais sacrossanto sentido de ‘democraticidade’) e que “todo o ambiente da campanha fazia adivinhar a vitória” e consequente derrota do actual presidente Maduro.
Podemos dar a esta cantiga do inefável muitos nomes, um dos quais é só este: aldrabice. Pura. Em primeiro lugar, as sondagens na Venezuela não davam TODAS a vitória à oposição e houve-as para todos os gostos. Desde as mais alucinadas que atribuíam menos de 15% a Maduro (!), até às consideradas mais «sérias», que apontavam uma ligeira vantagem da oposição, mas em torno dos 50%, ou seja, próximo do empate técnico. Um professor da Universidade de Brasília comentava que «algumas pesquisas são encomendadas para expor o resultado de quem pagou por elas», coisa que, por exemplo, como todos bem sabemos, não acontece na supra-democrática União Europeia, muito menos nos gloriosos States. E acrescentava o mesmo professor que, em particular neste contexto da Venezuela, as «discrepâncias [eram] tão altas [que indicavam] falta de critério estatístico na elaboração das [mesmas]», pelo que não se deveria sequer «perder tempo analisando pesquisas cujos critérios e métodos não são claramente indicados» (fonte).
Quanto à propalada união da oposição “toda” em torno de um desígnio comum para combater “o demónio”, não é senão outra redonda e descabelada mentira. Ao todo, eram dez (10) os candidatos. E curiosamente, facto que não se noticia por cá, por mera distracção certamente, desses 10, oito (8) reconheceram a legitimidade do resultado e a vitória de Maduro (fonte). Pena que Santos Silva não tenha adicionado ao argumentário a autoridade do seu ídolo Guaidó, nomeadamente na patética figura que fez na noite das eleições, em que não sendo tido nem achado para nada e em parte nenhuma – menos na justiça, onde tem sido bastantemente levado em conta segundo diz o «chavista» Washington Post –, apareceu ufano, num palanque e enfeitado de bandeiras para dizer “ao mundo” que tinha havido um “golpe de estado”.
A merecer igual destaque está o argumento do “ambiente favorável” que Santos Silva dizia haver e que só podia traduzir-se na vitória da oposição. Enquanto “expert” da tomada de pulso das ruas de Caracas, o inefável mostra aqui o pináculo verborreico da sua velha sanha contra o povo venezuelano, que verdadeiramente despreza e insulta. Com “sondagens a favor”, com “ambiente a favor” e com um candidato de “toda a oposição”, por que raio haveria a democracia de não “obedecer” a este inquestionável “contexto prévio”? Mas que atrevimento era esse o dos “votos” na urna de virem agora estragar aquilo que o controlo mediático externo já tinha preparado? Que raio de teimosia vem a ser a dessa gente de não “obedecer” à concepção capitalista e imperialista do mundo e das sociedades “ocidentais”, quando nós, cada vez mais direito-fascistóides, já temos tudo organizadinho para absorver o petr… perdão o bom do povo oprimido da Venezuela? Depois de tanto golpes e tentativas de golpe, como assim, ainda não foi desta?
A verdade é que estas eleições tiveram, sim, observadores internacionais. Mais de 900. Entre eles, o Painel de Peritos da ONU, a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), a Comunidade do Caribe (CARICOM), a União Interamericana de Organismos Eleitorais (ULOL) ou o norte-americano Centro Carter (fundado pelo ex-presidente Jimmy Carter, que era um fervoroso chavista também, como sabemos…). Não tiveram foi o Bugalho – olha que chatice! E como o resultado não foi o que o directório que manda queria que fosse, está o caldo entornado.
É lamentável, de facto, o que está a acontecer no país. A oposição que quando ganhou eleições parlamentares em 2015 – já em pleno «chavismo» – não contestou a democraticidade das mesmas, apalanca-se para agir em defesa de interesses externos, dos quais espera poder vir a beneficiar. As consequências serão, como já estão a ser, funestíssimas. Mas para o povo não há outro caminho. Que saiba lutar e defender o que lhe custou muitíssimo a erguer. Que a resistência ao controlo das suas riquezas por parte dos EUA e aliados continue a ser feita e que o povo possa decidir, por si e por mais ninguém, quando e para onde deve caminhar a sua amada pátria.