Como afirmou o detective Lester na série The Wire, se seguirmos a droga encontraremos agarrados e traficantes, mas se começarmos a seguir o dinheiro não sabemos onde vamos acabar. Em muitos países, se procurarmos de onde vem o financiamento de certas organizações da oposição, de partidos, meios de comunicação social e ONG é provável que acabemos em Washington.
A seguir ao ataque da resistência palestiniana, a 7 de Outubro de 2023, as autoridades israelitas trataram de atribuir ao Hamas uma série de crimes inexistentes com o propósito de ganhar a opinião pública mundial para o seu lado. O mais mediático foi a morte de 40 bebés decapitados às mãos dos combatentes palestinianos. Mais tarde veio a descobrir-se que era mentira. Nessa operação de propaganda, Israel convidou, através das suas embaixadas no mundo inteiro, jornalistas, analistas, comentadores, académicos para servirem de veículos à sua narrativa. Portugal não foi excepção.
É comum que embaixadas, ou institutos culturais relacionados com outros países, promovam actividades de diferentes âmbitos que aproximem a intelectualidade portuguesa. A Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e o Goethe Institut são apenas alguns dos exemplos. Algumas destas entidades atribuem prémios e bolsas e apoios a diferentes projectos. De certa forma, funcionam como agentes de influência e cumprem uma estratégia que parecendo inócua tem objectivos políticos.
Apesar do genocídio em curso contra os palestinianos em Gaza, a despedida do então embaixador israelita em Lisboa, Dor Shapira, não foi menos alegre ou menos participada. Para além de Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Rodrigo Saraiva (IL), Pedro Frazão (Ch), Pedro Delgado Alves e Sérgio Sousa Pinto (PS), Alexandre Poço (PSD) e Telmo Correia (CDS), estiveram presentes os comentadores Helena Ferro Gouveia, Nuno Rogeiro e Liliana Reis, professora universitária precisamente na área da política internacional e deputada do PSD. Podemos especular que a não haver genocídio teria havido muitos outros e que muitos dos que participaram nos briefings de propaganda da embaixada preferiram o recato.
Nesse sentido, não é novidade que os Estados Unidos têm diferentes ferramentas para interferir noutros países. A notícia da suspensão da USAid por Trump destampou precisamente de que forma chegava o financiamento norte-americano a associações, partidos, meios de comunicação social, ONG, entre outros. Por exemplo, dedicou 26 milhões a três organizações relacionadas com o processo eleitoral na Geórgia em plena convulsão social. No caso da Colômbia, os guardas fronteiriços também eram pagos pela USAid, denunciou o próprio presidente Gustavo Petro, e, na Ucrânia, a maioria dos jornalistas depende de Washington para receber os seus salários. A muito questionável Repórteres Sem Fronteiras de forma hipócrita veio dizer que a suspensão da USAid vai atirar o jornalismo “independente” no mundo para o caos quando sabe perfeitamente que não há jornalismo totalmente livre, e muito menos independente, na Ucrânia. De acordo com a Columbia Journalism Review, a USAid apoiou 6.200 jornalistas, 707 meios e 279 organizações da sociedade civil do setor dos media em 30 países diferentes.
A verdade é que, de forma subtil, os Estados Unidos usam todas as ferramentas para interferir e destabilizar outros países. Em 2014, o The Guardian, jornal britânico insuspeito de simpatias com Cuba, noticiava que os Estados Unidos, através da USAid, tinham criado secretamente uma rede social para promover a revolta entre a população cubana contra o governo. A rede social chamava-se Zunzuneo, parecida com o Twitter, e começou a funcionar em 2010. A administração norte-americana propôs que se começasse com uma base de subscritores com conteúdos inócuos como poderiam ser notícias sobre desporto, música e alertas de furacões. De acordo com a Associated Press, criaram falsas empresas que usaram contas bancárias em paraísos fiscais e a rede social chegou a ter 40 mil utilizadores.
Este é apenas um dos muitos exemplos de como os Estados Unidos utilizaram o dinheiro da USAid para financiar oposições, meios de comunicação social, golpes de Estado, etc. Tudo aquilo que acusam a Rússia e a China de fazer é, na verdade, concretizado pelos Estados Unidos a uma escala e com um alcance nunca antes vistos. Quando vários países, incluindo a Rússia, decidiram proibir ou condicionar a actividade de ONG financiadas pelo exterior sabiam bem o que estavam a fazer. Desde logo porque os Estados Unidos têm uma lei parecida. Para evitar que lhes façam a eles o que fazem aos outros.