A Cobertura de Cavaco

Nacional

Cavaco Silva decidiu vir a terreiro fazer a cobertura e o branqueamento da fuga declarada de Passos Coelho à Segurança Social. Pelos vistos, sua equívoca excelência já terá tomado conhecimento dos contornos do incumprimento e já terá inclusive aceitado a respectiva justificação. Reagiu como seria expectável. Fê-lo em nome do PSD. Aliás, corrijo, Cavaco conseguiu ir muito mais longe do que aquilo que o próprio PSD alguma vez se atreveria a ir em defesa da sua honra. Ao colocar uma fuga descarada e assumida aos impostos no plano da disputa meramente eleitoral, ao reduzir dessa forma um assunto de enorme gravidade de uma alta figura do estado ao nível da básica troca de galhardetes entre candidatos, ou até ao nível da colagem de cartazes e da distribuição de panfletos, Cavaco dá ele próprio, com parcialidade e total comprometimento, o tiro de partida na campanha do PSD às próximas legislativas.

Talvez fosse bom que uma mudança – corajosa, real, efectiva – viesse pôr termo a todo este “mal cheiroso” regabofe da vergonha

Acontece que esta atitude de Cavaco Silva não é apenas a demonstração, aliás já repetida, do seu fiel comprometimento com o partido e com o governo. Hoje mesmo foi também noticiado que “as bases do PSD” – ainda assim pelos vistos menos acintosas que o presidente da república – reduziram a questão a um problema de “gestão comunicacional”, mas “aceitando” e “apoiando” de forma reiterada e desavergonhada o seu amado líder. Tanto a postura de Cavaco, velha sabedora da praxis laranja, como a postura de aceitação “natural” das bases do partido a uma chico-espertice de atropelo à lei, só servem na realidade para demonstrar, uma vez mais, por que linhas se cosem ou se pretendem coser muitos dos que se filiam, militam e dirigem um partido como o PSD.

É que a questão de fundo vai de facto muito além da situação isolada de Pedro Passos Coelho. As práticas de esperteza saloia por meios e relações de promiscuidade política, de jogos de bastidores, de esquemas, fraudes e fraudezinhas desde as leis fundamentais até aos favores autárquicos não são algo que aconteça apenas porque há dois ou três casos de gente “pouco séria” como “em toda a parte”. Não. É algo que nalgumas esferas partidárias é ensinado e estimulado com o argumento de que só recorrendo a tais práticas é que os aprendizes se conseguirão “safar na política” e com isso receber os desejados benefícios pessoais. É algo que medra como parte de uma estrutura que sobrevive pelo estímulo da vigarice permanente. Pela ideia de que tudo se compra e tudo se vende. Pelas teias da falsidade, da escapatória manhosa às leis, pela ganância e pelo jogo sujo. E o grande mal de tudo isto é que é precisamente nesta gentalha que tem recaído o voto e a confiança de muito boa gente. E talvez fosse bom que uma mudança – corajosa, real, efectiva – viesse pôr termo a todo este “mal cheiroso” regabofe da vergonha.