Em O Barão Trepador, de Italo Calvino, um jovem aristocrata trepa a uma árvore e recusa descer novamente à realidade. Rui Tavares, trepador de outras árvores de não inferior baronia, escreveu este artigo no Público, em que explica que a Europa não consegue sair da crise por culpa desta estúpida cultura de divisão, que vira os povos contra a Merkel, o Schaeuble e os seus banqueiros.
Para Rui Tavares «O que nos está a impedir é a percepção de quem é “preguiçoso” e quem é “autoritário”, quem viveu “acima das suas possibilidades” e quem viveu “à custa da miséria dos outros”». Segundo o líder do LIVRE, os que defendem este tipo de «preconceitos», têm uma cultura de «torcida de futebol». Tanto uns como outros: os banqueiros que acham que os portugueses vivem acima das suas possibilidades e os trabalhadores que acham que os banqueiros vivem da sua miséria. Como na história do Visconde Cortado ao Meio (que Rui Tavares também conta no seu livro A Ironia do Projecto Europeu, que pode ser comprado na Bertrand por apenas 14,31€), o problema da Europa não são os irreconciliáveis interesses das suas classes, até porque o que move a luta entre exploradores e explorados não é «o interesse próprio», mas apenas «a mundividência e as diferenças de identidade». Por exemplo, quando o teu patrão te despede porque pode contratar um estagiário à borla ou quando os banqueiros insistem em receber 21 milhões de euros por dia pelos juros da dívida portuguesa, é porque não nos estamos a compreender uns aos outros. Para Rui Tavares, é por isso que os pobres são cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos: não pelos interesses materiais de cada um, mas simplesmente pela «satisfação psicológica de quem vê os seus preconceitos confirmados».
A tese de Tavares, epítome exarado em aspas, pode até parecer bizantina e esdrúxula, mas somente a quem não conheça o personagem que a deu à estampa: o barão trepador português. O «anarquista» que dizia que a esquerda não existe trepou primeiro à árvore com a ajuda do Bloco de Esquerda a troco de uns quantos milhares de votos. E prometeu que nunca mais descia. Mesmo que para isso tivesse que integrar um grupo de direita, que apoia as intervenções militares da NATO, o Tratado de Lisboa, a Estratégia UE 2020, o aprofundamento do Mercado Único e o anti-comunismo. Mais tarde, continuou a trepar por outras árvores, saltando da «independência» para a «cidadania», para o seu próprio partido uni-pessoal até ao ramos mais altos, no regaço do PS. Mas agora, com este artigo, Rui Tavares traz-nos algo de novo: a sugestão encapotada da cultura corporativista à moda de Mussolini; a negação da luta de classes e a invenção de uma «identidade comum para toda a Europa».
Mas o nosso barão trepadaor está enganado. Não é a primeira vez que, com Varoufakis, «vemos alguém tentar fazer um diálogo para toda a Europa» e é assustador que um historiador o diga publicamente. A História do velho continente é profícua em «tentativas de diálogo» e construções de «identidades europeias». Gregos, romanos, católicos, fascistas e capitalistas foram protagonistas de várias «identidades comuns», à sua própria medida e, só no último século, ao preço de duas tentativas de suicídio. A verdade é que a única identidade comum útil à Europa é a única que Rui Tavares nega: a identidade baseada na realidade histórica e nas relações de classe. E essa está proposta há muito tempo, desde que dois alemães (e não dois gregos) escreveram «proletários de todos os países, uní-vos!».
Eis pois, a cultura de Rui Tavares: os direitos humanos de um ser humano abstracto; a celebração da identidade comum da vítima e do vitimário; o vaidosismo patológico; o desprezo pela coerência e pelos ideais. Desse António Costa a pasta da Cultura (qual pasta?!) a Rui Tavares e o nosso barão trepador não demoraria em pendurar a Joana Vasconcelos num museu homónimo, o Prémio Camões num Pedro Chagas Freitas e um sinal de «reservado» no Panteão. Deus nos LIVRE!