Marcelo Rebelo de Sousa resolveu devolver à Assembleia da República um decreto que tinha por finalidade garantir aos arrendatários o direito de preferência em caso de compra dos imóveis por inteiro. Tudo isto surge numa altura em que decorre um negócio que, caso a lei venha a entrar efectivamente em vigor, pode ficar em risco: trata-se da operação de venda de 277 imóveis da companhia de seguros Fidelidade a um fundo de investimento norte-americano (Apollo), operação na qual a Fidelidade se tem negado a dar a devida preferência a cada um dos inquilinos sobre a respectiva fracção. Enquanto a lei vai, volta e não entra em vigor, lá vão folgando as costas, dando tempo precioso à consumação da negociata.
O presidente tem à sua mão um conjunto de sapientíssimos conselheiros. Esses assessores “técnicos” determinam ou influenciam, naturalmente, as decisões a tomar, pois é para isso que lá estão. O problema coloca-se quando um desses conselheiros aparenta ter, directa ou indirectamente, interesses óbvios na opção tomada. Para este caso concreto, a mão que se esconde por detrás dos afectos é, segundo o Jornal Económico, Miguel Nogueira de Brito. De acordo com o artigo, o conselheiro de Marcelo «é sócio da sociedade de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados (MLGTS), a qual tem como clientes sociedades de investimento como a Apollo Global Management ou a Oaktree Capital, entre outras gestoras de fundos de investimento imobiliário».
Confrontado pelos jornalistas acerca do hipotético conflito de interesses, Marcelo respondeu à questão de forma contraditória, apressada, esquiva e leviana. Não negando a intervenção de Nogueira de Brito, justificou-se dizendo ter-se tratado de uma “decisão solitária” e por razões “políticas”. Foi uma espécie de “ele aconselhou mas eu não liguei ao conselho”. Ele “disse mas foi como se não tivesse dito”. Qualquer coisa como “é proibido, mas pode-se fazer”. A razão “política”, onde cabe tudo e um par de botas, é invocada para selar a impertinência da dúvida. E se isso pode bastar à oficialidade, não pode de modo algum silenciar quem ousa – e bem – questionar.
Não há afecto, «dab» ou dancinha patética que disfarce a urgência do escrutínio. Há um grande negócio entre colossos financeiros prestes a concretizar-se penalizando o elo mais fraco, que são os inquilinos. Se tal se concretizar durante o tempo que vai demorar até à aprovação do decreto, a negociata passa a ter o patrocínio oficioso de Belém. E Marcelo, como qualquer outro agente político, tem de ser responsabilizado pelo que faz, pelo que não faz ou pelo que deixa fazer.
7 Agosto, 2018 às
«…e um para de botas» para o José. Tão lindo.
3 Agosto, 2018 às
Também não deixa de ser patético como o mesmo presidente, na festa dos santos populares, na avenida da liberdade, junto ao presidente da Câmara de Lisboa, tenha dito a um repórter que temos de defender os moradores e não deixar o centro da cidade deserta.