Esta cidade também é nossa! Os brasileiros em Lisboa e no país.

Nacional

No dia 6 de Julho, o Brasil era derrotado pela Bélgica nas quartas de final da Copa do Mundo e era assim eliminado desta competição. Mas para os brasileiros, a festa não ia parar pelas falhas dos outros. Na Praça do Comércio, a festa continuou pós-jogo e mesmo com algumas lágrimas nos olhos, a batida do funk animou a noite para uns milhares de brasileiros ali presentes.

Ter assistido alguns jogos na praça do comércio, foi importante para perceber a dimensão da ocupação daquela praça consoante os jogos. Em jogos do Brasil e de Portugal, a praça se encontrava cheia de adeptos. Por exemplo, nos jogos de outras seleções as ruas à volta funcionavam normalmente, sem nenhum corte das vias. Nos dias que jogavam estas duas seleções, várias ruas circundantes eram paralisadas para a passagem de automóveis. O sentimento de estar em sardinha enlatada na Praça do Comércio acontecia de forma interessante nestes jogos. Claro que no caso dos jogos da seleção brasileira também estavam presentes muitos portugueses (e os adeptos da seleção opositora), mas mesmo estes eram a minoria e muito pouco residual. A grande ocupação nestes dias, era de uma massa brasileira que se juntava naquela praça para ver os jogos do Brasil.

Entre as populações imigrantes em Portugal, de acordo com os censos de 2011, nós, brasileiros, eramos a maioria entre os imigrantes, perto dos 110 mil residentes, atrás de nós estavam os imigrantes cabo-verdianos, com cerca de 38 mil residentes. Entre os censos de 2001 e 2011 a população brasileira residente em Portugal quase quadruplicou. Em termos de populações de imigrantes brasileiros espalhados pelo mundo, a maior presença nossa encontra-se nos Estados Unidos da América (acima de um milhão de residentes), em quinto lugar encontra-se Portugal. Apesar do fluxo de brasileiros em Portugal ter reduzido entre 2008 a 2013, sobre o efeito do agravamento da crise portuguesa e da época de “prosperidade” económica no Brasil sobre alçada dos governos de Lula e Dilma, acontece que a partir de 2013 muitos brasileiros que voltaram para o Brasil, começaram a retornar para Portugal. Em simultâneo muitos novos brasileiros decidiram imigrar para Portugal. Além dos imigrantes que vêm à procura de trabalho sem grandes formações, começaram a chegar também pessoas mais jovens para estudarem no ensino superior português e acabam por ficar no país e tantos outros já com formação superior. Estas informações são importantes para perceber a dimensão desta população de imigrantes em Portugal. E o seu significado para a realidade portuguesa.

Um outro exemplo de ocupação do espaço público nas cidades portuguesas por brasileiros, vejamos a questão da luta. Desde o inicio das ofensivas golpistas no Brasil, um colectivo forte e combativo de brasileiros que ia desde estudantes universitários até alguns imigrantes, mas também com a presença de portugueses, combateram em Portugal a ofensiva reaccionária no Brasil. Estiveram nas ruas nos grandes momentos destas ofensivas, mas também sempre que um golpista pisava os pés em Portugal, estes não teria descanso, porque como nós brasileiros dizemos, era preciso “escrachá-lo”. Por exemplo, Temer, Moro, Serra e por aí em diante. A luta também passou pelo apoio aos políticos e personalidades que vinham a Portugal dar a voz à luta que se ia fazendo no Brasil contra o golpe. Falo aqui do Coletivo Andorinha, mas sabendo da importância de outros colectivos pelo país. É importante falar sobre este colectivo em especial para a cidade de Lisboa, porque os activistas deste movimento tiveram de ir para as ruas mais que uma vez por semana para levar aos holofotes a crítica da situação brasileira.

Desde o inicio da sua formação, estiveram dezenas de vezes na Praça Luís de Camões, desceram a Avenida da Liberdade nos 25 de Abril e subiram a Almirante Reis no 1 de Maios, foram para portas da Faculdade de Direito, porta de Hotéis, ocuparam as actividades culturais e festivais, veja-se o exemplo da Festa do Avante e o coro que se ergue volta e meia de “Fora Temer!” quando um artista brasileiro está em actuação, desceram uma faixa no concerto do Chico Buarque no Coliseu dos Recreios. Enfim, a sua capacidade de adaptação e ocupação da cidade fez-se nos últimos anos de uma forma bestial e alegre, resistindo, lutando e apoiando, de todos os modos, transformando a cara das cidades portuguesas, principalmente, de Lisboa.

A cidade de Lisboa, e não só, também ficou mais rica com as iniciativas sócio-culturais dos brasileiros cá residentes. Vejamos por exemplo, neste último carnaval tivemos três blocos carnavalescos a partir de pontos diferentes dentro da cidade. A nossa presença, que era muitas vezes relegada às discotecas brasileiras, agora está em todo lado. Da música ao cinema, do teatro às artes plásticas, da arte urbana ao pixo, da resistência política ao futebol, trazemos a bandeira verde e amarela, mas também as bandeiras vermelhas.

Contudo, o desafio que se avizinha é muito complexo. Não devemos esquecer que nem todos os brasileiros cá residentes são progressistas. Por exemplo, no dia 22 de Junho duas dezenas de brasileiros se juntaram no Parque das Nações para apoiar a candidatura a presidente de Bolsonaro, apesar da presença residual, facilmente podemos encontrar brasileiros imigrantes que apoiam Bolsonaro neste país. A questão é que por muito tempo não houve (e sinceramente ainda não há), em Portugal, organizações de imigrantes brasileiros fortes (ou mesmo fracas) que defendessem os interesses desta grande população de imigrantes. Por décadas os brasileiros “se viravam” por redes de amizades, por exemplo, outras populações de imigrantes cá residentes rapidamente criaram organizações que os defendesse (vejam os exemplos dos cabo-verdianos, angolanos, são-tomenses, chineses, nepaleses, ucranianos e muitos outros exemplos). O aparecimento de redes sociais como o Facebook e WhatsApp possibilitou um (re)encontro quotidiano com as redes de amizades e familiares espalhadas pelo Brasil (ou mesmo outros países). Este reencontro permitiu mais que matar saudades e estar actualizado sobre o dia-a-dia dos seus próximos, permitiu também uma politização destes brasileiros (à esquerda e à direita, mas sobretudo à direita). Da partilha das notícias falsas, dos discursos de ódio, que vai desde o machismo, homofobia a xenofobia (sim, xenofobia se tratando de imigrantes!), a partilha fácil e acrítica destes conteúdos levou a que muitos brasileiros residentes cá interiorizassem facilmente estes conteúdos. Soma-se ainda, que cá em Portugal não tinham um contraponto que se opusesse a este discurso. Como disse, não havia uma organização brasileira que estivesse próxima dos seus.

Da complexidade desta questão, surgem então os potenciais conflitos directos, pensando no rescaldo das últimas concentrações realizadas em Lisboa, em vários momentos aconteceram distúrbios provocados por brasileiros reaccionários, entre provocações através do grito, o mandar copos de cerveja, empurrões, exemplos cada vez mais não faltam.

Em ano de eleições, mas não só por causa disso, avizinha desafios aos brasileiros que têm-se organizado à volta destes movimentos progressistas, este desafio é sair da centralidade da cidade de Lisboa e ir para as periferias falar com os seus conterrâneos sobre a democracia portuguesa e brasileira, sobre direitos e deveres, sobre luta e resistência. Cabe diluir as diferenças entre brasileiros. Daqueles que vieram para cá realizar seu mestrado/doutoramento e ficaram por cá porque a terrinha é muito boa, contudo acabam num trabalho precário. E daqueles que vieram para cá atrás de uma vida melhor, independente da sua formação, e desde que cá chegaram sempre estiveram em trabalhos precários. Cabe tanto aos primeiros e aos segundos, tomarem as cidades portuguesas, reivindicando o seu direito à cidade, cabe tanto a um como outro reivindicar uma vida digna neste país, participando e transformando as cidades portuguesas, e por fim, cabe tanto a um como ao outro lutar pela defesa da democracia do Brasil e contra a besta fascista que se levanta. O recado aos portugueses é que vamos continuar sambando e levantando poeira, e àqueles que ainda não se conformaram com esta ideia, vamos sambar na vossa cara mesmo. Estas cidades também são nossas!

* Autor Convidado
Henrique Chaves

2 Comments

  • Miriam

    23 Agosto, 2018 às

    Nessa terra , ecoamos o grito de dor que veio do Brasil golpeado pelas oligarquias financeiras internacionais…
    O som de LulaLivre transformou-se em um mantra que se multiplicou entre brasileiros e portugueses que lutam pela Democracia e pelo Socialismo, quer nas ruas, nas salas de cinema,nos shows ao ar livre,nas Praças .Vc está certo , companheiro, as Redes Sociais ampliaram as nossas vozes e nos tornaram cúmplices no caminho dessa conquista: Lula Inocente!Lula preso político! LULA PRESIDENTE!

  • Miriam

    23 Agosto, 2018 às

    Excelente síntese dessa fusão cultural amorosa que me fez reviver tantos momentos históricos e histéricos nessa terra tão minha/ nossa.Parabéns, Henrique

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