A quem nunca se rendeu (António Santos 1931-2020)

Nacional

Pela minha terra clara
e o povo que nela habita
e fala a língua que eu falo,
juro nunca me render

Pelo menino que fui
e o sossego que desejo
para o velho que serei,
juro nunca me render

Pelas árvores fecundas
que nos dão frutos gostosos
e as aves que nelas cantam,
juro nunca me render.

Pelo céu que não tem margens
e as duas nuvens boiando
sem remorso nem receio,
juro nunca me render

Pelas montanhas e rios
e mares que os rios buscam,
com o seu murmúrio fundo,
juro nunca me render

Pelo sol e pela chuva
e pelo vento disperso
e pela plácida lua,
juro nunca me render

Pelas flores delicadas
e as borboletas irmãs
que nos livros espalmei,
juro nunca me render.

Pelo riso que me alegra,
com a sua nitidez
de guizos e de alvorada,
juro nunca me render.

Pela verdade que afirmo,
dos que a verdade demandam
até à contradição,
juro nunca me render.

Pela exaltação que estua
nos protestos que não escondo
e a justiça que os provoca,
juro nunca me render.

Pelas lágrimas dos pobres
e o pão escasso que comem
e o vinho rude que bebem,
juro nunca me render.

Pelas prisões em que estive
e os gritos que lá esmaguei
contra as mão enclavinhadas,
juro nunca me render

Por meus pais e meus avós
e os avós dos avós deles,
com o seu suor antigo,
juro nunca me render

Pelas balas que vararam
tantos peitos de homens justos
por amarem muito a vida,
Juro nunca me render

Pelas esperanças que tenho,
Pelas certezas que traço
Pelos caminhos que piso,
juro nunca me render.

Pelos amigos queridos
E os companheiros de ideias
Que são amigos também,
juro nunca me render.

Pela mulher a quem amo,
Pelo amor que me tem,
Pela filha que é dos dois,
Juro nunca me render

E até pelos inimigos,
que odeiam a liberdade
e por isso não são livres,
juro nunca me render.

(Armindo Rodrigues)

6 Comments

  • Nolidisargax56

    13 Junho, 2020 às

    Pelo muito que lutámos,
    Pelo muito que lutamos,
    Pelo muito que temos que lutar,
    Juro nunca me render.

  • Fernando Correia

    12 Junho, 2020 às

    Recordo com saudade as lutas sindicais que juntos com muitos outros travámos, o combate pelo jornalismo livre e democrático que queríamos e conseguimos, o camarada que nunca desistia, o amigo que sempre admirei Fernando Correia

  • Luís Manuel Anacleto

    12 Junho, 2020 às

    GRANDE PENA

  • António Abreu

    11 Junho, 2020 às

    Vais fazer muita falta na nossa luta e no nosso convívio, António.

  • Francisco

    11 Junho, 2020 às

    Um abraço solidário.

  • vítor dias

    10 Junho, 2020 às

    Belo poema em memória de um homem vertical que deixa muitosd amigos e tantos camaradas.

Comments are closed.