Pablo Hasel, o twitter e o ex-monarca Juan de Bourbon

Nacional

Menos de 24 horas depois da confirmação da pena de prisão aplicada ao cantor de hip-hop comunista Pablo Hasel a imprensa espanhola dá a conhecer novas investigações sobre alegados crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais associados a Juan Carlos I de Bourbon, o ex-monarca espanhol que abdicou a favor do seu filho, Felipe VI. A ironia da coisa: a condenação de Hasel tem por base tweets nos quais o cantor denuncia o carácter retrogrado e corrupto da monarquia espanhola.

O novo escândalo em torno da figura de Juan Carlos tem encadeamento com outros casos anteriores, envolvendo Corinna Larsen, uma “amiga” do Rei a quem este havia feito uma doação milionária através de contas sediadas na Suiça, envolvendo uma fundação do Panamá, país conhecido pelo seu papel instrumental na circulação de capitais de sociedades e indivíduos sem interesse na sua justa tributação na origem.

Segundo a imprensa, a investigação em curso está directamente relacionada com o pagamento de comissões ligadas à adjudicação a empresas espanholas de obras na Arábia Saudita, no contexto do projecto “AVE a la Meca”, ligação ferroviária de alta velocidade no qual trabalha um consórcio espanhol liderado pela RENFE e pela Adif (empresas espanholas homólogas da CP e da IP, respectivamente).

Juan Carlos é um embaraço para a coroa espanhola e para os sectores mais reaccionários de um país profundamente marcado por clivagens ideológicas duradouras. O conhecimento público do envolvimento de Juan Carlos em escândalos e processos como aquele que agora se soma aos muitos denunciados ao longo de anos e anos apenas torna mais saliente a natureza política da perseguição a Hasel e a quantos utilizam as liberdades para denunciarem as injustiças sociais que caracterizam a complexa situação social, política e pluri-nacional do actual Estado Espanhol.

De acordo com o tribunal que confirmou a pena aplicada a Hasel, as suas publicações na rede social twitter não se enquadram no exercício da liberdade de expressão. O tribunal acusa Hasel de procurar “minar a confiança nas instituições democráticas”, o que é notável num país onde o próprio ex-chefe de Estado, empossado como monarca pelo ex-ditador fascista, tem contribuído (como poucos) para minar a confiança dos povos do actual Estado Espanhol nas instituições de poder (supostamente democráticas) que perseguem cantores desalinhados com o sistema.

O twitter é um campo (virtual) de luta ideológica (de importância muito relativa, diga-se de passagem) que não raras vezes convida à utilização de um tom – de ou expressões concretos, muito para lá do “tom” – agressivo, dificilmente imaginável na comunicação presencial entre adversários políticos-ideológicos. Seja como for, e para que se perceba o que está na origem da condenação de Hasel a pena de prisão, estes são os tweets que estão na base do julgamento e da decisão dos tribunais. Para que se perceba esta Espanha.

1 Comment

  • Francisco

    9 Junho, 2020 às

    Quando um regime entra em colapso orgânico, o desespero dos de cima para segurar os de baixo, tem manifestações concretas de que esta condenação constitui um sinal. Oxalá e para além de uma irreversível fractura na caduca monarquia dos nossos irmãos espanhóis, esteja também em causa um primeiro vislumbre da necessidade de fracturar não apenas um regime, mas sobretudo o sistema que o suporta. São apenas sinais ténues? Quem sabe, quem sabe…

Comments are closed.