A quem servem as “extremas”?

Internacional

Depois das Eleições para o Parlamento Europeu foram várias as análises e reflexões. Como sempre, há uma linha de análise que se tenta impor como oficial ou que pelo menos é mais difundida. A verdade é que os números destas eleições em todos os países da União Europeia, trouxeram muitas novidades e fugiram bastante às balizas que permitem repetir que independentemente dos resultados quem ganhou foi o “projecto europeu”.

Ainda assim, tentando salvar o dito projecto, os partidos que integram o Partido Popular Europeu, o Partido Socialista Europeu e a maioria da comunicação social, que deles depende e que os alimenta, rapidamente tentaram passar uma ideia simples e clara: os extremismos estão a aumentar, quer os de “esquerda”, quer os de “direita”, e são, um e outro, eurocépticos e um perigo para a União Europeia.
E o que é ser extremista? É a partir desta pergunta que darei o meu contributo para tentar destruir esta linha de argumentação demagógica e com o objectivo único de continuar a privilegiar os partidos e as políticas comprometidas com os poderes escondidos que vêem na perpetuação da austeridade a saída limpa para continuarem a aumentar os seus lucros com base numa gananciosa especulação.

Não será este um texto de História, porque para perceber como chegámos aos conceitos “esquerda” e “direita”, várias seriam as linhas para discorrer sobre séculos de alterações no pensamento e organização sociais e políticos. Em 2014 é mais ou menos perceptível para uma grande maioria de pessoas aquilo que se quer significar com estes conceitos. Já não tão perceptível é aquilo que se tenta significar quando se adjectiva de “extrema” quer a “esquerda”, quer a “direita”. Tenta passar-se que uma e outra correspondem a ideias políticas de domínio dos povos por regimes totalitários, ou que ser extremista é estar muitíssimo afastado daquilo a que se consensualizou chamar de “centro”, um espaço sagrado e intocável onde é suposto residir toda a virtude, e que o resultado do extremismo é o caos.

Partindo do princípio que há um “centro” e que os que se consideram parte dele costumam mostrar-se sempre como indivíduos anti-dogmáticos, terão de ser eles os primeiros a reconhecer que o “centro” onde eles se incluem também é mutável. Desliza ao longo de uma linha imaginária que não pode ter o seu ponto médio definido já que as suas margens são infinitas, porque é sempre possível ser ainda mais extremista do que o extremista colocado ao nosso lado e porque a evolução do pensamento dos indivíduos e dos povos não termina hoje.

Para além disto, neste momento, nenhum partido ou ideia política se pode colocar apenas numa única linha imaginária. O que define a ideologia de um partido não é apenas o seu posicionamento relativo às questões económicas, laborais, ecológicas, sociais, religiosas, etc. Dá-se aliás o caso de partidos extremamente “conservadores” do ponto de vista económico serem “ultra-liberais” do ponto de vista social e vice-versa. E a dificuldade de análise aumenta quando começam a aparecer vários partidos em toda a Europa que, assepticamente, não se posicionam como partidos de “esquerda”, “direita” ou até de “centro”. Dizem-se sem ideologia, e apesar de ser um pouco difícil de aceitar, teremos de o fazer, porque apresentam nos seus programas propostas de “esquerda” e de “direita”, consoante o respectivo assunto. No grupo parlamentar europeu dos Verdes encontramos bons exemplos disso mesmo, basta analisar o sentido de voto destes partidos nos mais diversos temas.

Mas voltando à perguntar inicial, o que é afinal ser extremista? Ser extremista é querer romper com a Troika e renegociar a dívida soberana ou é insistir num modelo que já deu provas de ser extremamente difícil ou impossível de cumprir? Ser extremista é querer romper com um Tratado Orçamental que impondo um défice máximo de 0,5% obriga, no panorama actual, a que a única forma de o cumprir seja destruir as funções sociais do Estado, ou é endeusar esse Tratado e utilizá-lo como refúgio de cada vez que se justificam os números da pobreza como uma consequência negativa mas necessária destas políticas? Ser extremista é afirmar que mais um desempregado é um desempregado a mais ou é afirmar que a taxa de desemprego está até um pouco abaixo do limite projectado e é portanto aceitável? Ser extremista é afirmar que todas as pessoas, independentemente do seu sexo, etnia, religião e condição social devem ter os mesmos direitos ou é aceitar que há direitos só para alguns e que há outros que são para todos mas devem ser pagos? Ser extremista é afirmar que este modelo de integração não serve aos povos ou é manter a cabeça enterrada na areia e continuar a afirmar que o caminho é irrevogavelmente este? Ser extremista é querer organizar a sociedade colectivamente dando voz a toda a gente ou é querer organizar uma sociedade em que o peso do dinheiro se impõe a tudo o resto?

As respostas a estas e outras perguntas obviamente variam consoante a ideologia, o partido ou o indivíduo, e o mais curioso é que, consoante a pergunta, ouviríamos partidos da “esquerda” alemã a responder coisas iguais aos partidos da “direita” italiana, partidos da “direita” belga a dar a mesma resposta que a “esquerda” romena, e incluindo aqui as supostas “extremas”.

Ao enfiar-se no mesmo saco os partidos de “extrema-esquerda” e de “extrema-direita”, elimina-se ainda outro factor de discussão, é que apesar de muitos deles serem cépticos em relação à União Europeia, as respostas dadas por um grupo e por outro são totalmente díspares. É que enquanto a “extrema-direita” não se cansa de exaltar nacionalismos e portanto a superioridade de um dado povo em relação aos outros, a “extrema-esquerda” tem na sua raíz o internacionalismo. Ou seja, ser contra este sistema de integração europeu não significa que a proposta seja que os povos virem costas uns aos outros, a proposta é mesmo que a cooperação e a solidariedade entre eles seja maior mas tendo sempre em conta os interesses e necessidades de cada um.

E esta perspectiva internacionalista e de solidariedade é mais do que evidente quando se confrontam as duas “extremas” com a imigração. A “direita” pretende dificultar ou até impedir o acesso de estrangeiros à União Europeia e aos seus países e a “esquerda” pretende integrar cada vez melhor essas pessoas.

Repetindo, esta amálgama ideológica tem objectivo, manter o poder político nas mãos de PPE e PSE, capatazes ordeiros e eficazes dos senhores feudais da finança. Por agora, e porque o crescimento da “extrema-direita” já se vê mas está ainda bem longe de ser maioritário, é aos partidos da “extrema-esquerda” que cabe este combate. O “centro” perdeu força, mas mantém o seu poder, e pode voltar a encontrar na “extrema-direita”, como nos prova a História, um aliado útil para manter o capitalismo como regulador do tal “projecto europeu”.

E para que este combate seja ganho por aqueles que desejam uma Europa que hasteie a bandeira do progresso, da igualdade e da justiça social, é imperioso que se deixem bem vincadas as diferenças astronómicas entre as duas “extremas”. Talvez que o primeiro passo a dar seja exactamente o deixar cair a “extrema”, isto é, começar a chamar sempre os bois pelos seus nomes mais correctos. O que cresceu em alguns países nas Eleições para o Parlamento Europeu foi o apoio ao nacionalismo, ao racismo, à xenofobia, à homofobia, mas também foi o apoio ao comunismo, ao socialismo, à ecologia, à tolerância e ao internacionalismo.

A simplificação das significações é muitas vezes redutora e prejudicial para o debate político. Neste caso, ajuda a que se tente coser pontas opostas e a colocá-las de igual forma no caixote do ridículo, do utópico, do anti-democrático, do caótico.

Para a minha cabeça e para as minhas ideias políticas, o que me preocupa é a ascensão das ideologias e dos partidos nacionalistas e xenófobos, e é por isso que a partir de hoje tentarei sempre referir-me a eles dessa forma. Usarei o mesmo método para o resto da linha imaginária, porque é também importante afirmar que há diferenças dentro do reduzido espaço que distingue o “centro-esquerda” do “centro-direita” – sociais-democratas, conservadores, democratas-cristãos e liberais -, afirmar que hoje em dia esse espaço é tão, mas tão curtinho, que mal se vê, e ainda mais importante é afirmar que é este o curto espaço ideológico onde hoje em dia habitam mais extremistas.

Antes de ser de “esquerda” ou de “extrema-esquerda”, sou comunista.

* Autor Convidado
André Albuquerque