Abril, exclama-se!

Nacional

Nasceu a 10 de Abril e fez quarenta anos este ano.
Enquanto falávamos das notícias eu disse-lhe «imagina que o Governo ia agora a qualquer sítio e, de repente, os militares cercavam o edifício e o pessoal ao saber disso enchia as ruas e não os deixava sair…
– Os militares? Tinham que ser os militares?
– Não sendo, provavelmente vinham os robocops e apanhávamos todos porrada.
– Mas estás a dizer isso no dia 25?
– Um dia, um dia qualquer!
– Não. Foi isso que aconteceu? No dia 25? Estou farta de perguntar, nunca ninguém me explicou!»

Há dois dias tinha estado a mostrar canções de Abril à minha irmã de 5 anos. Hoje dei por mim perdida a dizer tudo o que aconteceu na noite (as partes que conheço) e nos dois anos em que ninguém diz que houve comunistas a criar um mundo novo, mesmo aqui. Para alguns são papéis. Para muitos foi a primeira vez que ouviram falar em direitos. Disse-lhe logo, o livro mais bonito é a nossa Constituição. Mas esse, vamos lê-lo esta semana.

Algumas portas que Abril abriu e que PS, PSD e CDS têm fechado, emparedado, agrilhoado.

Decreto-Lei 701-B/76, 29 Setembro- Lei Eleitoral das Autarquias Locais
Criou as assembleias de freguesia, assembleias municipais e câmara e as primeiras eleições autárquicas foram em 12 de Dezembro de 1976

Lei 43/76 – cria o conceito de deficiente das forças armadas para atribuição de um conjunto de direitos sociais (assistência social, pensões de invalidez abonos e a pensão de preço de sangue , independentemente da causa de morte)

Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro
Unificação num único instrumento legal da regulamentação das matérias relativas a férias, faltas e feriados e fixação em vinte e um dias consecutivos o período mínimo legal de férias.

Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto – Direito à greve

D.L. n.º 217/74, de 27 de Maio – Salário Mínimo Nacional (SMN)
Fixado, pela primeira vez, através do, que determinou que o mesmo se aplicava a todos os trabalhadores por conta de outrem, de 20 e mais anos, a tempo completo, da Indústria e dos Serviços.

D.L. n.º 49-B/77, de 12 de Fevereiro, veio fixar o SMN para os trabalhadores agrícolas permanentes (pagos ao mês) com um nível inferior ao da Indústria e Serviços e, por outro, estabelecer que, para os trabalhadores com menos de 20 anos, seria garantido, a partir do início desse ano, um salário mínimo mensal igual a 50% do salário mínimo dos trabalhadores de idade igual ou superior a 20 anos.

O D.L. n.º 113/78, de 29 de Maio, para além da actualização dos níveis do SMN existentes, criou o salário mínimo para os trabalhadores dos Serviços Domésticos, com valor inferior ao das restantes actividades.

O Despacho ministerial publicado em Diário da República, 2.ª série, de 29 de Julho de 1978, mais conhecido como o “Despacho Arnaut”, abre o acesso aos Serviços Médico-Sociais a todos os cidadãos, independentemente da sua capacidade contributiva. É garantida assim, pela primeira vez, a universalidade, generalidade e gratuitidade dos cuidados de saúde e a comparticipação medicamentosa.

A Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro, cria o Serviço Nacional de Saúde, no âmbito do Ministério dos Assuntos Sociais, enquanto instrumento do Estado para assegurar o direito à protecção da saúde, nos termos da Constituição

E, de uma forma muito clara, os trabalhadores passam a ter direitos:

1974
– Consagração do salário mínimo nacional (3 300 escudos)
– Criação da pensão social para pessoas que não tenham descontado para a Previdência
– Consagração do pagamento do 13.° mês (subsídio de Natal) e do subsídio de férias para os funcionários públicos (em 1975 para todos os trabalhadores)
– O exercício do direito à greve
– Regras para despedimentos colectivos

1975
– Criação do subsídio de desemprego. O montante é de dois terços, metade ou um terço (consoante o tipo de trabalhadores) do salário mínimo nacional. O período de concessão é de 6 meses (podendo ser aumentado até 2 anos conforme a idade)
– Liberdade sindical
– Proibição dos despedimentos sem justa causa
– Determinação da obrigatoriedade de indemnizações por despedimento, fixadas em um mês de salário por cada ano de antiguidade

1976
– Consagrado o direito à licença de parto no total de 90 dias
– Direito à contratação colectiva
– Garantia do direito a férias com um mínimo de 21 dias e um máximo de 30 dias consecutivos

1977
A Lei da Greve define regime jurídico do direito à greve

E, de uma forma muito clara, as mulheres passam a ter direitos:

– Em Novembro de 1974 foram abolidas todas as restrições baseadas no sexo quanto à capacidade eleitoral dos cidadãos.

– No plano da ciência, da cultura, da comunicação social e do desporto – bem como noutros campos de actividade – regista-se, com o 25 de Abril, uma participação crescente das mulheres. A sua intervenção criadora na literatura e em outros domínios artísticos e culturais ganha um relevo e um peso novos no conjunto da cultura portuguesa.

– Direito das mulheres ao trabalho com direitos – aquando da Revolução, as mulheres representavam 25% dos trabalhadores. Apenas 19% trabalhavam fora de casa e ganhavam cerca de 40% menos que os homens.

– Foram abolidas as situações herdadas do fascismo, em que se destacam as que proibiam o acesso das mulheres a diversas carreiras, as que impediam as mulheres de trabalhar fora de casa ou exercer actividades lucrativas sem o consentimento do marido, e as que limitavam o direito a casar às enfermeiras e hospedeiras do ar.

– Entre Maio e Dezembro de 1974: a diminuição das diferenças salariais, o acesso das mulheres às carreiras da magistratura judicial, do Ministério Público e da carreira diplomática. Com o início da contratação colectiva foram dados passos importantes no tratamento das matérias relacionadas com a protecção da mulher no trabalho, protecção na gravidez, na maternidade e na aleitação dos filhos.

– Em Fevereiro de 1976, a ampliação do período de licença de maternidade para os 90 dias, 60 dos quais teriam de ser gozados após o parto, e abrangendo todas as trabalhadoras.

– Com a reforma agrária mais de 70 mil homens e mulheres passaram a ter direito ao trabalho e a salário. Foram dinamizados processos de alfabetização que abrangeram milhares de mulheres e homens da região. Para as mulheres assalariadas rurais do Sul a Reforma Agrária assegurou o acesso ao trabalho, à realização profissional e à sua independência económica.

– Igualdade na família – o regime fascista impôs como único modelo de família o que resultava de um contrato de casamento. Face ao Código Civil a mulher podia ser repudiada pelo marido no caso de não ser virgem na altura do casamento, a família era dominada pela figura do «chefe» com total poder marital e parental, o marido tinha o direito de abrir a correspondência da mulher, e a lei permitia-lhe matar a mulher em flagrante adultério, sofrendo apenas um desterro de alguns meses. O casamento católico era indissolúvel, existiam filhos legítimos e ilegítimos, nascidos dentro e fora do casamento. Com Abril, altera-se a Concordata para os casamentos católicos obterem o divórcio civil, abolição do direito do marido abrir a correspondência da mulher, revogação das disposições penais que atenuavam, ou despenalizavam, os crimes em virtude das vítimas desses delitos serem as suas mulheres ou filhas, reforma do Código Civil com abolição das disposições discriminatórias do direito de família, quanto à mulher e quanto aos filhos.

– Equipamentos sociais e infra-estruturas básicas – em 1973 não existiam escolas pré-primárias, o número total de creches (incluindo as particulares (que cobravam elevadas mensalidades) abrangia apenas 0,8% das crianças até aos 3 anos de idade. Cerca de 50% das casas não tinham água canalizada, e mais de metade não dispunha de electricidade. Após a Revolução de Abril foram criados inúmeros equipamentos sociais, creches, jardins-de-infância, lavadouros públicos, jardins infantis, e as infra-estruturas básicas, redes de água, esgotos, electricidade, etc. O alargamento e reforço dos serviços públicos tiveram imediatas e profundas repercussões na elevação das condições de vida das mulheres.

– O direito à segurança social – no regime de «previdência e de assistência social» fascista não existia pensão social, nem subsídio de desemprego, nem pensão mínima no Regime Geral. O abono de família e de aleitação tinham valores irrisórios. O direito à segurança social e a elevação dos valores das prestações sociais, abriu caminho à edificação do Sistema Público de Segurança Social como um direito de todos os portugueses: instituição do valor mínimo para a pensão de invalidez e de velhice do regime geral, igual a metade do salário mínimo nacional; pensões sociais destinadas a pessoas que não tinham descontado para a previdência; o subsídio de Natal para os pensionistas com valor igual ao da pensão; generalização das pensões de sobrevivência a todas as viúvas de beneficiários das «caixas» – só esta medida permitiu que, em 1976, fossem abrangidas mais de 100 mil mulheres.

– O direito à saúde e saúde sexual e reprodutiva – o direito à saúde assumiu uma importância extraordinária para as mulheres e permitiu pôr fim a uma realidade dramática em matéria de saúde sexual e reprodutiva das mulheres a que o fascismo as sujeitou: cerca de 43% dos partos ocorriam em casa, 17% dos quais sem assistência médica. Muitos distritos não tinham maternidade, era elevadíssima a taxa de mortalidade infantil e de mortalidade na maternidade. Os médicos da «previdência» não estavam autorizados a receitar contraceptivos orais, a sua divulgação era proibida e a mulher não tinha direito de os tomar contra a vontade do marido, que podia evocar esse facto para um pedido de divórcio. O aborto era punido, em qualquer circunstância, com pena de 2 a 8 anos de prisão, e o aborto clandestino (cerca de 100 mil por ano) era a terceira causa de morte materna.

– Após a Revolução de Abril foram tomadas importantes medidas: criação da rede de cuidados primários, generalização do acesso das mulheres ao acompanhamento médico durante a gravidez e o parto, instituído o direito do parto hospitalar, criação de consultas de planeamento familiar nos centros de saúde.

– A Revolução constituiu, ainda, um marco decisivo no acesso à participação desportiva das raparigas e mulheres, na sua esmagadora maioria completamente afastadas por também lhes ser proibida a prática de inúmeros desportos.

(Todas estas informações e muitas mais estão documentadas no Livro Encontro do PCP Sobre os Direitos das Mulheres, Edições «Avante!», Lisboa, 2008.)

Falámos sobre tudo isto. Falámos sobre como hoje traíram e continuam a trair, mesmo muitos dos que contribuíram para que ele existisse. Falámos de como temos que afirmar, exclamar, tomar tudo isto novamente nas nossas mãos.

E se um dia cercarmos o governo e exigirmos a sua rendição total e a tomada do poder pelo povo?  Em seguida, reescreveríamos, com um ponto de exclamação:

A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país. A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno!