Big Brother dos pequeninos

Nacional

Sempre que se fala no Rendimento Social de Inserção (RSI) – antigo Rendimento Mínimo Garantido – há alguém que conhece, que vê, que ouve outro alguém que vive à custa de subsídios, que passa os dias nos cafés, que tem grandes carros à porta, que, que, que.

Se é um facto que as generalizações são sempre um erro, faz-me confusão esta mania tão portuguesa de apontar o dedo ao vizinho, sabendo nós tudo sobre a casa do outro, o que se come, o que se bebe, o que se fuma, o que se gasta e como se gasta.

Se calhar, antes de mais, ajudava perceber quais as condições para receber o RSI e quais os valores atribuídos, bem como quem dele usufrui.

Sinceramente, não vejo com os mesmos olhos o que me rodeia. E menos ainda faço julgamentos. De acordo com o Orçamento do Estado para 2014, a verba destinada ao RSI são 310 milhões de euros, menos dez milhões do que em 2013. Se dividirmos este valor pelos cerca de 250.000 beneficiários, obtemos 1.240 euros. Por ano. Vamos então dividir por 12 meses: 103,33 euros mensais para cada membro da família.

Custa-me ver a facilidade com que se aponta o dedo ao vizinho, a forma como sabemos tudo sobre ele. Vejam lá, desempregados, sem perspectivas de futuro – a maior fatia do RSI é atribuída a pessoas entre os 30 e os 49 anos – passam os dias nos cafés. Em lugar de estarem fechados em casa, cobertos de vergonha pela sua falta de empreendedorismo. Ou por não terem um emprego. Ou porque se aceitarem um emprego perdem o direito ao RSI, sendo o valor do salário inferior ao que recebem de prestação social – calculado em função do rendimento do agregado familiar e não do indivíduo.

Não passa pela cabeça de algumas pessoas, o sofrimento de querer e não poder trabalhar, porque não há de facto onde trabalhar e menos ainda trabalhar com salário justo e direitos. O exército de desempregados ajuda à pressão para baixar salários: há-de sempre haver mais um mais desesperado que o anterior e acabará por aceitar trabalhar a troco de esmolas. Ou de géneros.

O supremo argumento filho da puta é o do que têm filhos que não podem ter, como se ter um filho fosse um direito de determinada classe. Como se alguém tivesse alguma coisa a ver com os filhos de cada um, com a sua liberdade de ter filhos, de criá-los com condições e em respeito, no mínimo, pelos direitos mais básicos da criança.

Se és rico, podes ter filhos; se não, não podes. É a este nível que se encontra o argumentário dos anti-RSI, sem ver que o dinheiro injectado em bancos falidos por acções fraudulentas – fraudes criminais e morais – dava para suportar décadas de RSI, subsídio de desemprego e abonos.

O estigma recai, quase invariavelmente, sobre os bairros sociais. Onde ninguém quer trabalhar, claro está, que a pobreza é um coisa maravilhosa e as famílias do meu bairro que vão todas as noites buscar bens de primeira necessidade a instituições e supermercados fazem-no alegremente, lembrando o cantando e rindo de outros tempos. A superioridade moral de quem vai para as redes sociais dizer que conhece este e aquele, tem bom remédio: denuncie as fraudes.

E assim viveremos alegremente, sempre de olho no que o vizinho tem e não naquilo que não temos porque nos roubam. Ao que parece, nem incomoda muito.