Candidaturas Tiririca: Quem ganha com isso?

Nacional

Há uma diferença abissal entre usar humor na política e ter uma política que nada mais procura ser do que humor. Nesta campanha ou pré-campanha para as autárquicas temos assistido a um aumento exponencial de candidatos-palhaço, que exploram com sucesso tudo o que garanta parangonas, de gente que brinca aos outdoors, aos slogans, que anseia pelas partilhas e sobretudo pela fama. Haverá várias explicações para o fenómeno, desde logo pela força presente do terreno virtual, mas uma das que quero aqui salientar é o imanente sentimento de desprezo, de menorização do acto e até dos cargos em questão da parte de quem leva a cabo uma campanha de puro e duro espalhafato. Porque não se trata só de desprezo e menorização do acto eleitoral em si; trata-se de desprezo e menorização da democracia como um todo.

Quando dois ou três habilidosos de marketing, candidatos ou não, se juntam para preparar os famosos outdoors de rir às gargalhadas, nenhum pensa verdadeiramente na pouca vontade de rir de quem depende do bom trabalho de uma autarquia para ter paz na sua vida. Nenhum génio comunicacional, candidato ou não, se concentra no que é ser-se autarca efectivamente, nem no que as autarquias significam para a vida concreta das pessoas. Não querem saber se há substância numa campanha que deveria apontar ao esclarecimento e à propaganda de ideias. Não interessa se os cartazes servem para dotar as pessoas de conhecimento suficiente para, em consciência, decidirem uma parte importante da sua vida em sociedade. Não lhes importa saber se as autarquias são o auxílio no meio de tanta dificuldade, se são elas a garantir serviços essenciais como a água ou o saneamento básico, se são elas a reparar ruas ou estradas, a fomentar a educação e a cultura, enfim, nada disso importa. O objectivo é a fama, as partilhas, a reportagem na tv, se possível a menção abundante do responsável pelo estardalhaço.

Tempos houve em que tais candidaturas apareciam como independentes, até porque ainda sobrava a alguns partidos o mais básico bom senso na conduta e aceitação dos seus candidatos. Só que o descaramento fintou todos os filtros, tornou-se «pandémico», e o que era inaceitável há uns anos é hoje não só aceitável como desejável entre aqueles que dizem respeitar a democracia. Esses são os primeiros, de resto, a acusarem os outros de serem anti-democráticos.

A pergunta que se coloca então é afinal esta: quem aproveita com as campanhas que são fins em si mesmas? O que ganham as comunidades, as povoações, os municípios com o vazio dos embrulhos? Se eleitos, o que esperar? Com o andar da moda, as empresas de comunicação ganharão mais, certamente, mas o que ganharão desde logo os funcionários dessas agências se a ausência de seriedade e de competência dos «tiriricas» eventualmente eleitos resultar na negligência que fará com que fure o pneu do carro na próxima curva, ou que um filho vá parar ao hospital porque quem gere a água não tratou conveniente da manutenção da rede de distribuição? E pensemos na repercussão de tudo isto, mesmo que os ditos cujos não venham a ser eleitos: sendo a democracia debate, que contributo traz a galhofa ao confronto de ideias? Que acrescenta a gargalhada à necessidade de suprir carências básicas da população?

É provável que a popularidade e a fama sejam proveitosas para algo ou alguém. Mas é muito mais provável que, no meio da dificuldade e no concreto das suas vidas, a esmagadora maioria da população não tenha grande vontade de rir. No entanto, não é só no plano financeiro das agências, ou no plano da vaidade pessoal que os ganhos são esperados e desejados por quem opta por este caminho. É porque não é o debate que lhes interessa, não é a qualidade de vida que realmente importa, não é a justiça social que os move, não é a seriedade que conta, não é, em suma, a democracia que se quer garantir e defender. Se por um lado há hoje quem assuma a plenos pulmões e sem vergonha que quer de facto destrui-la, há também estes espécimes da risada que, sem o assumir, apontam na mesmíssima direcção. Também com estes, todo o cuidado é pouco.