Comemorar o quê?

Nacional

O bafio que nos visita da cave do passado tem vários cheiros e às vezes até traz um odor a esquerda. Comemorar o quê?, pergunta-se por aí por todo o lado.

A pergunta é partilhada por muitos, porque se confunde Abril com o que vivemos hoje. E porque se confunde Abril com uma farsa. E alguns colocam-na genuinamente, por sentirem traído o mais pequeno sopro de Abril.

Eu quero responder à pergunta.

Comemorar em luta a reforma agrária. Comemorar em luta o controlo operário e a auto-gestão. Comemorar em luta a vida dos jovens portugueses que não partem para África nos porões e dos que que puderam regressar vivos.

Comemorar em luta o salário mínimo e lutar pela sua dignificação. A Escola Pública e combater pela sua qualidade, democraticidade e gratuitidade. Comemorar em luta a nacionalização da banca. Comemorar em luta o projecto de construção do socialismo, assinalar em luta a organização dos trabalhadores que se anunciaram em maio libertados.

Comemorar a nacionalização das empresas determinantes para a economia.
Comemorar o direito ao trabalho, ao horário, ao salário.
Comemorar em luta o direito à greve e usá-lo.
Comemorar em luta o fim do poder dos monopólios e combater a sua reconstituição.
Comemorar em luta a Constituição da República Portuguesa.

Comemorar Abril é uma manifestação de luta. É reafirmar a justeza do projecto revolucionário e não o desfecho de traição. Comemorar Abril é, de facto, comemorar Abril e não Novembro.

Mas os que celebram Novembro são precisamente os que ganham quando não celebramos Abril. Porque isso significa que Novembro, finalmente triunfou.

E não triunfou. Não triunfou enquanto os comunistas não forem perseguidos, torturados e assassinados. Enquanto os sindicatos possam realizar pré-avisos de greve e organizar a luta de classes em expressão de massas. Enquanto a Constituição nos puser a nós do lado da lei e aos fascistas do lado dos marginais. A batalha é árdua, está em curso, mas não terminou.

Comemorar Abril é luta. Mas é luta pelo que Abril é e foi e não por aquilo em que o querem tornar os fascistas que anseiam o regresso ao passado. Não comemorar Abril é celebrar Novembro. Não afirmar Abril no futuro de Portugal é entregar Portugal ao passado.