Parteiros da revolução

Nacional

Há muros que se rompem de madrugada para que quando saia o sol se varra a sombra que tanto tempo viveu barricada nos corações de pedra. Então, ouve-se um rugido que abre veios na terra e rebenta um rio de gente que nasce nas fábricas e nos campos. Essas nascentes, donde durante quase cinco décadas brotou a dor de um povo que acabado de nascer já via no horizonte o ataúde em que havia lugar para corpos mas não para sonhos, matava-nos agora a sede de esperança.

Mas encheram-nos as veias de cal para que o vermelho queimasse e a escuridão voltasse ao velho leito em que tantos ficaram pelo caminho. Terá o Alex conseguido gravar na memória o rosto de quem o assassinou? Qual terá sido o último pensamento de José Dias Coelho? Quantas toneladas de coragem terá arrancado Militão Ribeiro para escrever cartas com o próprio sangue? Quantos de nós caímos contigo em Baleizão, Catarina? Mataram-nos, e aos do Tarrafal, uma e outra vez, quando em Abril aterrou a digressão de abutres apostados em levar às nossas praças o espectáculo ensaiado em Santiago do Chile.

Este país que apodrece enjaulado sob os látegos dos banqueiros já não cheira a cravos. As pétalas que sobram germinam agora na barriga do povo à espera que o chão se abra uma vez mais para engolir dentro de si os espectros dos que bebem o nosso suor. E nos subterrâneos da liberdade caminham os que nunca te deixaram cair a bandeira que sempre levaste no olhar. Álvaro, Sofia, Bento, António, José, Vasco, quantas cidades teremos de construir para que nelas more o vosso exemplo? Impacientes somos os que diariamente semeamos nos homens a esperança de que mais cedo que tarde o futuro será de todos os que o construíram.

Uma impaciência que não desespera e uma esperança que não fica à espera. É a certeza que nos enche de força quando às vezes nos parece tão longe e parecemos tão poucos que nos esquecemos de que chegaremos ao fim da estrada junto dos que caminham ao nosso lado. E quando rebentarem as águas, estarão lá as tuas mãos abertas pelos sulcos de tempos que não existirão mais do que em museus. Por isso, amanhã, quando acordares, não te preocupes. Fomos, somos e seremos parteiros da revolução.