A pontaria zarolha da direita que se diz de esquerda

Nacional

Não fosse a partilha do link por parte de um camarada e a notícia publicada pelo Sol sobre a pontaria zarolha que o PS faz o PCP no quadro das eleições para o parlamento europeu ter-me-ia passado ao lado. A notícia não é, em bom rigor, ilustrativa de novidade alguma. O PS faz desde 1975 pontaria ao PCP e seus militantes, seja no quadro das instituições, seja fora delas. A direita – mesmo aquela que se diz de esquerda – sabe bem a quem apontar, sabe de onde vem o perigo real de uma ruptura com o sistema que alimenta, e a alimenta.

Posto isto há neste episódio triste, nesta não-notícia relativa a uma tradição “socialista” com quase 40 anos de prática quotidiana, coisas relevantes a reter:

– A primeira diz respeito à forma que assumirá até ao dia das eleições o ataque ao PCP e à CDU, e que consistirá numa simplificação das posições que com desassombro vêm assumindo face à União Europeia e ao Euro; a direita – PS incluído – dirá que o que o PCP propõe é sair da União Europeia e do euro já amanhã, à bruta e independentemente das consequências para o país, o que é naturalmente errado, mentiroso, demagógico (“O PCP foi o primeiro a defender a dissolução da União Económica e
Monetária. Mas não defendemos uma saída qualquer que ela seja, porque
ela depende dos interesses que a conduzam.”, João Ferreira em entrevista o “i”, 29.03.2014). A direita aposta assim na estratégia do medo, o que de resto não é novo. Foi através do medo que impuseram ao povo e ao país um “programa de ajustamento” que se demonstrou calamitoso para a população mas altamente rendível para os bancos…

– É precisamente esta contradição (entre as consequências calamitosas do “programa de ajustamento” para as pessoas comuns por oposição à sua enorme rendibilidade para o sector financeiro em geral) que o PCP põe em evidência (quando por exemplo refere a relevante questão da componente ilegítima da dívida, definida como aquela “que resulta dos mecanismos de funcionamento do BCE, que, recusando o
financiamento aos estados, permitem esse financiamento a taxas de juro
inferiores a 1% a bancos que depois vão cobrar aos estados 5, 6 ou 7 por
cento, como chegou a acontecer com Portugal. Isto é um processo de
extorsão montado a partir do funcionamento das regras do BCE. Não é
legítimo que se peça ao povo português que sustente isso.
“), e que a direita (PS incluído) pretende camuflar nestas eleições.

– A estratégia do PS para as eleições que se aproximam passa também por tentar esconder tanto quanto possível que, naquilo que é essencial e estruturante, tanto no plano nacional como da União Europeia, mantém uma coincidência quase absoluta de posições com PSD e CDS. Para o fazer evita o confronto directo com PSD e CDS, debate contra-natura entre gente que tão bem se tem entendido em questões como o euro, o Tratado de Lisboa ou o chamado Tratado Orçamental.

De resto nada de novo debaixo do Sol. O PS continua a acusar o PCP (mas quase nunca o BE…) de ter contribuído para a queda do governo de Sócrates, ao chumbar o chamado PEC IV mas esconde:

– Que o governo caiu porque Sócrates se demitiu;

– Que os anteriores PEC (I, II e III) tinham sido aprovados com o apoio da direita e com a oposição do PCP, pelo que o que na versão IV lhes faltou foi o voto de PSD, que já salivava pelo famoso “pote”;

– Que o PEC IV era um documento em larga medida coincidente com boa parte daquilo que veio a ser concretizado no acordo de PS, PSD e CDS com a “troika”, nomeadamente no que se refere às privatizações, flexibilização da legislação laboral, embaratecimento dos despedimentos, redução do subsídio de desemprego, roubo nas reformas, entre outras mal-feitorias.

Não sei se o PS tem perfeita noção das suas responsabilidades nos últimos 38 anos de desgovernação em Portugal. Não sei se tem memória de todas as alianças, declaradas e não declaradas, que manteve com a direita, dentro e fora das instituições, incluindo em governos com PSD e CDS. Não sei se compreende que sem o seu voto não teriam sido possíveis as mutilações que sete revisões constitucionais introduziram na Constituição da República, desvirtuando-a consideravelmente face ao texto de 1976.

São assuntos aos quais Silva Pereira se poderia referir, temas que poderia esclarecer. Poderia até aproveitar o balanço e dar a sua opinião sobre a estapafúrdia (mas reveladora) declaração de Maio de 2011 do n.º1 da lista do PS ao Parlamento Europeu, Francisco Assis, quando dizia ao país, a propósito do acordo entre PS e PSD sobre as negociações com a “troika”, (e passo a citar) “não podemos entrar em clima de euforia“, acrescentando que “agora é o momento para estabelecermos um entendimento nacional“. A “euforia” de Assis, para a qual nunca faltou o “entendimento nacional” entre PS, PSD e CDS, foi a desgraça do povo e do país.