COP21: sucesso?

Internacional

A Cimeira de Paris, também conhecida por COP 21, sobre as alterações climáticas chegou a um acordo final (ver). O facto de se ter chegado a um acordo é um progresso face ao falhanço da anterior cimeira mundial em Copenhaga em 2009 (a COP 15). É também positivo ter sido acordada a meta de limitar a subida da temperatura abaixo dos 2 graus centígrados. Porém segundo alguns comentadores, o acordo tem suficiente flexibilidade que mesmo sendo cumprido, o mundo persista no caminho de aumento acima dos 3 graus. Em aberto ficaram ainda mecanismos efectivos de apoio aos países em desenvolvimento e aos mais afectados pelas alterações que se vêm verificando. A experiência da ineficácia do Protocolo de Quito, acordado em 1997 e implementado entre 2005-2012, período durante continuou a haver um aumento global de emissões, exige cautela face às eficácia do presente acordo. Não tendo ainda condições de tecer uma análise detalhada sobre o presente acordo, queria aproveitar a ocasião para assinalar algumas questões.

O nosso planeta tem mais de 4 mil milhões de anos. Ao longo desse extenso tempo tem sofrido extensas variações de clima, incluindo um período em que era uma imensa bola de neve. De forma que quando hoje se falam em alterações climáticas, cabe perguntar “como se comparam as presentes alterações climáticas com as que a Terra tem exibido ao longo da sua história?”, assim como “em que medida as actividades humanas são responsáveis pelas actuais alterações climáticas?”.

As áreas científicas que têm analisado o estado do planeta e procurado fazer previsões face ao futuro, incluindo a climatologia e oceanografia, estudam padrões que têm elevados níveis de variação e incerteza associados. Mas apesar disso, a comunidade científica exibe grande consenso em concluir que a actividade humana dos últimos dois séculos foi responsável por um assinalável aumento da emissão de gases de estufa (como o dióxido de carbono, por via da combustão de hidrocarbonetos, ou de metano, pela actividade agro-pecuária) que têm alterado a composição da atmosfera e dos oceanos. A concentração de CO2 na atmosfera atingiu o ponto mais alto dos últimos 500 mil anos, e fê-lo a uma taxa excepcionalmente alta. Também a taxa de mudança de temperatura é maior que a verificada durante as oscilações glaciares do Pleistocénio, durante o qual a temperatura mudou entre 4 a 7 graus. Ou seja, é importante compreender que o que enfrentamos não é distinto pelo grau das alterações, mas pela rapidez com que estas se estão a verificar, e pelo papel das actividades humanas.

Embora menos referida, o impacto das emissões tem sido até mais marcante quando consideramos os oceanos, registado-se como uma subida da temperatura da camada superficial e consequentes alterações de circulação, incluindo uma redução das correntes ascendentes de águas frias, ricas em nutrientes, e que são importantes para sustentar a produtividade nas águas superficiais. A alteração térmica dos oceanos tem resultado já num abrandamento da circulação oceânicas global conhecida como «tapete rolante oceânico» (ocean conveyor belt), que tem um importante papel na regulação climática. O aumento de tempestades e ciclones, cuja origem tem lugar nos oceanos, é já de si um efeito destas alterações. Um elemento importante a compreender é que alterações de alguns graus podem levar a alterações qualitativas das correntes e logo do clima, cujo impacto seria assinalável e difícil de reverter.

Um outro aspecto a referir sobre os oceanos é que estes têm absorvido um componente muito significativa do CO2, quer através da actividade biológica quer através da reacção química da água com o CO2, conduzindo a uma progressiva acidificação das águas, atingindo já níveis sem paralelo nos últimos 300 milhões de anos. Esta acidificação, combinada com as alterações de temperatura, têm já efeitos nos recifes de coral tropicais, as zonas de maior concentração de biodiversidade marinha.

À margem das considerações científicas (“quanto é necessário diminuir as emissões para evitar as piores consequências?”), cabe colocar éticas (“quem são os principais responsáveis?” e “como fixar metas justas para cada país?”). E fundamental para o diálogo global é o reconhecimento de desigualdades a vários níveis: as tremendas diferenças de responsabilidade sobre as emissões acumuladas nos últimos séculos; as diferenças de emissões actuais entre países; a causa das actuais emissões e sua relação com o nível de desenvolvimento dos países; e a disparidade que os efeitos das alterações climáticas terão sobre diferentes países.

Os países mais desenvolvidos acarretam uma maior responsabilidade pelas emissões históricas e pela situação enfrentada hoje, e a tal responsabilidade deve corresponder uma maior responsabilidade em mitigar o presente estado, não só cortando as suas emissões mas na ajuda a outros países, em particular os países mais vulneráveis às alterações climáticas, mas também aos países em desenvolvimento para que estes não sigam a mesma trajectória de emissões.

Acresce que podemos qualificar as emissões como sendo necessárias para garantir um nível de desenvolvimento nacional que satisfaça as necessidades do país, ou como sendo em parte para garantir actividades “de luxo”, como seja o uso desmesurado de transporte pessoal. Mas encontrada uma forma justa de repartir os “custos” de mitigação, cabe ainda pensar em formas políticas eficazes e justas de implementar as necessárias medidas. As dificuldades enfrentadas nas cimeiras têm sido sobretudo em torno destas questões éticas e políticas. Ao que é permitido aferir, a maior responsabilidade dos países desenvolvidos têm ganho aceitação, mas tal não se tem traduzido eficazmente em soluções políticas justas. Recorde-se a solução do “mercado de carbono” que foi inteiramente ineficaz na redução de emissões e mercantilizou a mitigação de emissões. Ou a imposição pelos EUA no presente acordo de Paris de incluir uma cláusula que impede processos de responsabilização ou compensações.

* Autor Convidado
André Levy