Coronavírus – sair da crise sem perder direitos!

Nacional

Estamos perante um momento excepcional e único. Não é possível, por muito que seja assustador, ter uma resposta para tudo. Ninguém tem. Nenhum de nós mas muito menos a generalidade dos comentadores encartados que poluem a televisão. A incerteza é assustadora e a honestidade está em assumi-la. É bom ser capaz de dizer “não sei” e não esquecer que a certeza não assente em factos é apenas arrogância (ou aldrabice). Isto é crítico porque a forma como encaramos o presente é o alicerce do futuro.

Por estes dias, o futuro parece bem negro, mas é também momento de mudar as nossas próprias prioridades. O “corona” demonstrou que quando a coisa aperta não bastamos enquanto indivíduos para encontrar uma solução. Por muito que nos adaptemos, precisamos tanto, mas tanto, uns dos outros. É urgente não esquecer isto quando no futuro formos convidados (uma vez mais) a ser “competitivos”, “individualistas” e a pensar só nos nossos próprios interesses. O acesso à saúde e a solidariedade são pilares centrais de qualquer sociedade que queira ser capaz de lidar melhor com estas crises ou outras catástrofes. Neste quadro há para já três lições a tirar:

1 – Esta crise mostra como somos interdependentes. Qualquer comportamento individual não é suficiente para eu me safar sozinho. Precisamos de uma solução colectiva e solidária. Nós somos afectados e afectamos os outros. Neste caso, o que nos resta é controlar a velocidade de propagação, mas só o conseguiremos num enorme esforço colectivo. Esta solução colectiva tem a força que milhares de soluções individuais, na lógica de cada um per si, nunca conseguiriam ter porque juntos somos mais que a soma das partes. É esta a mais-valia da “coisa pública” que serve um bem geral. Nunca a “coisa privada” terá esta característica porque pensará exclusivamente no lucro que apenas poucos (ou mesmo um) vão apropriar.

2 – A ideia vigente de que o serviço público deve ser prestado na quantidade mínima para a necessidade esperada revelou-se uma catástrofe. Acima de tudo revelou ter custos enormes quando, segundo os defensores da eficiência, ia ser um “El Dorado” inesgotável de crescimento económico. Não foi. Estamos mais pobres e com piores serviços de saúde e nada do que obtivemos dessa eficiência nos fez mais felizes… Temos o menor número de camas para doentes críticos por habitante, num país que é dos mais envelhecidos… Para o futuro, pensem nesta crise quando fecharem serviços, centros de saúde ou hospitais. Defender o Serviço Nacional de Saúde tem de ser mais do que bater palmas em momentos de aflição. É nosso dever não deixar que mais nenhum Governo ataque o SNS.

3 – Voltou a chamada “incerteza” nos mercados. Os muito ricos estão a vender menos do que esperavam e os seus títulos na bolsa caíram de valor. Agora, choram os lucros que em vez de serem de triliões serão de biliões ou milhares de milhões. Donald Trump já prometeu salvar Wall Street e o Governo PS salvar o alojamento local. Ficaremos a aguardar quantos destes empreendedores recusarão o subsídio do Estado já que dizem que ele não devia existir. Assim, tudo se prepara mais uma vez. Se nada for feito seremos nós mais uma vez a ser chamados a pagar esta crise, seja por via do aumento da dívida pública, dos apoios aos bancos, dos perdões fiscais e outras invenções e roubos…

Que raio de prioridades são estas? Como é que se salva quem tem milhões e se condena quem não tem nem tostões porque mês após mês mal se sobrevive? Os pobres quem safa? Como é possível ter existido despejos patrocinados por entidades públicas já em tempo de pandemia? Faz sentido exigir taxas moderadoras? Porque não se prolongam as prestações sociais que são fundamentais para tantas famílias? Porque não se continua a dar comida nas escolas às crianças necessitadas ou se distribui essas refeições pelas suas casas? Porque não se permite a ocupação de prédios desocupados e que apenas alimentam a ganância de especuladores? São estas e outras medidas temporárias que precisam de ser discutidas e implementadas e que são os alicerces das boas políticas do dia de amanhã. Infelizmente, o caminho parece ser o contrário.

Revoltou-nos o açambarcamento nos supermercados por serem atitudes egoístas? Certo. Agora pensem num grão de arroz e imaginem que vale mil euros. 0,1% das pessoas mais ricas em Portugal possuem 95 mil pacotes de arroz inteiros. É isso mesmo. Se um grão de arroz forem mil euros eles têm 95 mil pacotes de arroz. Nós pagámos a crise anterior. Ainda nos sai do bolso todos os dias. Está na hora de eles serem chamados a pagar e não dar-lhes cheques chorudos. É que não dá, e nós não temos mais buracos por onde apertar o cinto.

Em suma, como sair desta crise sem ter outra? Só sairemos mais resistentes e resilientes para uma próxima crise se formos:

– capazes de fortalecer a nossa solidariedade e forma de vida colectiva. Trocar menos individualismo por mais solidariedade. Estamos melhor quando não estamos sós e temos em quem confiar. Quando há uma rede que nos protege.

– não podemos pensar só no curto prazo e temos de perceber que há custos que na verdade são um investimento para o futuro. Quando? Não sabemos. Mas é inaceitável termos chegado a uma situação em que somos o país com mais idosos e menos camas para doentes críticos.

– capazes de não por os mesmos a pagar a factura. Em Portugal, pagámos as facturas do BES, do BPN e do BANIF. Ninguém está preso e temos piores serviços públicos. Vimos investidores em alojamento local facturarem milhões em especulação quando o Zé Povinho tinha de pagar mais de renda.

Nada disto será dado de mão beijada porque implica o surgimento de uma sociedade nova. A nossa resistência e combate assentam também agora no facto de termos visto como o mundo pode mudar em poucos meses. Um dia, o nosso passado vai parecer história longínqua e a utopia de hoje será futuro. Somos parte de um todo e sabemos que para um vírus um rico não vale mais do que um pobre. Seja esse o nosso guia. Uma sociedade mais justa é fundamental e o único caminho que nos ajudará a responder melhor a futuras crises.

* Autor Convidado
João Pedro Ferreira

3 Comments

  • Nunes

    16 Março, 2020 às

    Este comentário foi removido pelo autor.

  • Jose

    15 Março, 2020 às

    É assim, mesmo!
    A pandemia é um sinal dos deuses, a sugerir a revolução.
    Quem sobreviver parte ao assalto!

    • Nunes

      16 Março, 2020 às

      Zé Covid-19, Fujam!

Comments are closed.