Crispado Silva

Nacional

O homem não era visto nem ouvido há meses, e agora que aparece, surge-nos crispado. Motivo? Indignado com as inusitadas mortes nas urgências? Indignado com a incompetência do governo na Justiça, na Educação? Nada disso. Alguém tocou, mais uma vez – malditos sejam – no pelos vistos muito aborrecido e incómodo tema da ligação de sua excelência ao grupo Espírito Santo. Isso é que é preocupante. Já não o víamos tão exaltado desde a sua associação à SLN e ao BPN do seu amigo Oliveira e Costa. O dito senhor enervou-se, fez triste figura aos microfones e câmaras dos jornalistas, empalideceu e tremeu o queixo, deu-lhe o verbo para a lamentável postura do costume.

Vociferou a palavra “mentira” duas ou três vezes, desdisse o que tinha dito e declarou, com toda a sobranceria e despeito, “nada ter a acrescentar”

Saiu-lhe a tradicional arrogância e o tom de quem, parafraseando Saramago, tem sempre a pretensão de “dar lições”. Lá veio a remissão professoral para o site da presidência, o apontar para a raridade e santidade das suas próprias palavras, a nunca acertada interpretação dos incautos daquilo que um dia sua genialidade disse, porque nunca ninguém é suficientemente inteligente para captar o “verdadeiro alcance” das palavras sábias de Cavaco Silva. Lá reapareceu a assunção fantasiosa do carácter excepcional da sua integridade política, dizendo-se, ou gabando-se, de ser «talvez o único político em Portugal» que tem tudo o que disse «publicado no site da presidência». O homem que, em boa verdade, mais provas tem dado de ser o mais desastrado, o mais diminuído, o mais comprometido, o mais desprestigiante político que o país viu após o 25 de Abril de 1974.

Entre a atrapalhação e o indisfarçável nervosismo, que só veio adensar o já muito espesso “nevoeiro BES-GES”, Cavaco Silva fechou-se em copas face às dúvidas já assumidas pela Comissão de Inquérito, vociferou a palavra “mentira” duas ou três vezes, desdisse o que tinha dito e declarou, com toda a sobranceria e despeito, “nada ter a acrescentar”. É assim que se resolve, com um “chega para lá” institucional, as necessárias e indispensáveis dúvidas que foram lançadas não por um adversário político em campanha eleitoral, mas por esse órgão de soberania que é a Assembleia da República.

Mesmo que o pedido de esclarecimento não tenha ainda chegado pela via formal à tarimba do soberano, a Comissão de Inquérito fica desde já “avisada”. O Rei não sai do palácio. Quem quiser esclarecimentos, que vá consultar as “reais palavras” ao “real édito” colocado no “real site”. E, de preferência, que desapareçam.