Temos bons professores

Nacional

A recente divulgação dos resultados da Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) desembargou um aluvião de reproches à inteligência dos professores portugueses. A direita, rosnenta perene da educação, lambeu os beiços: tinha por fim o seu libelo de sangue contra os professores. Diligentemente, nomes costumeiros como Henrique Monteiro, do Expresso e Alexandre Homem Cristo, do Observador, perfilaram as penas cediças para o insulto: os professores são estúpidos, privilegiados, ignorantes e pior ainda, vêm de famílias pobres. Mas um pouco por toda a comunicação social, o ataque aos professores estabeleceu-se como atestado de inteligência, uma espécie de catarse pública para expurgar as entranhadas ignorâncias particulares.

E como em todo o auto-de-fé, a primeira vítima é sempre a inteligência. Não a inteligência dos que acusam, porque não é preciso passar nenhuma prova de conhecimentos para ser colunista de pasquim, mas a inteligência da acusação. Foi o insuspeito Instituto da Avaliação Educativa que enterrou a PACC, considerando-a descontextualizada, inconsistente e contraditória. Para o IAVE a prova que avalia se os professores que já deram todas as provas que tinham a dar, não tem critérios objetivos e carece de autenticidade. Numa palavra: a prova vive de rasteiras de concurso de televisão, jogos de lógica bizantina e perguntas dúbias sobre “cultura”. Tudo menos o essencial: saber ensinar.

Quando, em 1936, o fascista José Millan Astray deu uma descompostura pública ao professor Miguel de Unamuno, terminou a peroração com esta frase: “Morra a inteligência e viva a morte!”

Mas não nos equivoquemos, não por estar muito preocupada com os erros ortográficos que PACC não se debruça uma única vez sobre pedagogia e didáctica. O que este governo detesta não são os erros dos professores, são as suas qualidades: a capacidade de fazer pensar e de, mesmo nas mais difíceis condições, transformar burros de carga em cidadãos.

A um governo que fecha as escolas, elitiza o ensino e obriga as crianças a passar fome tanto lhe dá que os professores saibam ensinar, porque, na verdade, não precisa de professores, mas de “formadores”: profissionais inteligentes, de raciocínio rápido, pagos para ensinar, com correção e polidez, a martelar ou a contar, e que no fim lambam a lambam do dono. O que o governo e os seus capangas na imprensa abominam é a dedicação e preparação dos professores portugueses para transmitir os valores de Abril às gerações vindouras. Queriam que a escola fosse para aprender a ler, a escrever e a ter medo.

Quando Alexandre Homem Cristo e os seus correligionários dizem que “temos” maus professores, estão obviamente a falar dos seus. O que eu lamento, mas confirmo: o colunista do Observador aprendeu com os piores professores portugueses: Salazar e Caetano.

Quando, em 1936, o fascista José Millan Astray deu uma descompostura pública ao professor Miguel de Unamuno, terminou a peroração com esta frase: “Morra a inteligência e viva a morte!”. Os que hoje insultam e humilham a classe docente gritam o mesmo. Defendem um retorno ao obscurantismo das avaliações misteriosas, por critérios apócrifos e avaliadores anónimos. Os que chamam estúpidos aos professores queriam repetir o florão de Astray “Morra a inteligência”, mas primeiro há que gritar “Morram os professores”.