D: democracia e ditadura
A democracia, na sua raiz etimológica, refere-se simplesmente ao “poder do povo”. Os que, nos dias que correm, usam a palavra como sinónimo de capitalismo não estão interessados no poder, participação e decisão do povo. A sua única preocupação é a legitimação do poder da classe dominante por via de eleições.
A democracia burguesa é, por natureza, simbólica e formal. Para sê-lo verdadeiramente, a democracia exige a ausência de todas as formas de opressão e o acesso igual condições políticas, materiais, financeiras, culturais e educativas. Sem isso, a “democracia” será sempre juniores a competir contra seniores, independentemente do árbitro e das regras. Da mesma forma que não há democracia sem educação, não há democracia quando a comunicação social é controlada por um dos lados, nem quando os patrões partem para as eleições com meios infinitamente superiores aos dos trabalhadores.
Democracia não é só poder votar: é o povo efectivamente participar e decidir sobre as suas vidas em condições de liberdade e igualdade. Ninguém se pode dedicar à participação política quando trabalha 10 horas por dia ou quando tem medo de ser despedido se o patrão não gostar das suas opiniões. Da mesma forma, ninguém pode ter opiniões livres de manipulação numa sociedade em que a educação e a cultura são privilégio dos ricos. Para a democracia sê-lo, é preciso democratizar tudo: as decisões nas empresas, o acesso à cultura e ao lazer, a saúde e o ensino superior.
Por contraste, a democracia burguesa e liberal tem por pré-condição a negação da democracia real: o povo não pode, nunca, deter o poder. Em todos os lugares do mundo em que, por acidente ou mérito, os povos alguma vez conquistaram eleitoralmente o poder às classes privilegiadas, estas nunca hesitaram em carregar no botão de emergência para chamar o exército, os golpistas, ou os EUA.
A verdade é que todos os Estados são formas de ditadura de uma classe sobre outra classe. Historicamente, essas ditaduras são mais ou menos democráticas de acordo com características históricas e culturais de cada povo, mas, principalmente, com a resistência da classe que não detém o poder.
Neste sentido, a expressão “ditadura do proletariado” não significa qualquer particular forma de ditadura, mas apenas o facto de uma classe (a dos trabalhadores) dominar outra classe (a burguesia). Em súmula, a ditadura do proletariado é até compatível com eleições multipartidárias, mas a democracia burguesa não é compatível com o poder do povo.
Há uma guerra pelas nossas palavras. Elas são os instrumentos com que explicamos o mundo e a história ensina-nos que só o consegue transformar à sua vontade quem o consegue explicar. Da mesma forma que os negreiros tinham o cuidado de separar os escravos em grupos que não falassem a mesma língua, o capital verte milhões em campanhas de confusão conceptual, na promoção de novas categorias, na erradicação de certos vocábulos e na substituição de umas palavras por outras, aparentemente com o mesmo sentido. Este dicionário é um instrumento rápido para desfazer algumas das maiores confusões semânticas, conceptuais e ideológicas dos nossos tempos.
6 Junho, 2021 às
Como sempre, ao ler este texto, fiquei com uma dúvida.
Quando devemos aplicar a palavra Burguesia ao invés de Capitalismo. Os Burgueses fazem parte daqueles que defendem o Capitalismo, vejo-os como os executivos do Poder Capitalista.
Nunca participei nos cursos onde provavelmente esclareceria estes conceitos.
3 Junho, 2021 às
O termo “ditadura do proletariado” foi o maior tiro no pé que Marx & Engels poderiam ter dado no marxismo. Tivessem-na batizado como democracia do proletariado e tinham-nos poupado milhões de litros de tinta a explicar quão mais democrática é a democracia dos muitos 🙂
Obrigado pelo dicionário, fica à espera das restantes entradas 😉
3 Junho, 2021 às
O termo “ditadura do proletariado” foi aplicado no seu próprio tempo, completamente diferente daquele que estamos a viver.
Quanto ao Marxismo, estamos muito bem, obrigado. Cresce em força na América do Sul.
11 Junho, 2021 às
Só a vetdade é Revolucionária.
Quem usa negativamente a palavra ditadura não é um democrata até porque quem intencional e ostensivamente “esquece” o papel do Estado não é na verdade democrata