Da coerência de Seguro

Nacional

Tendo tido conhecimento de que António José Seguro tinha apresentado uma “moção política sobre as grandes opções do Governo”, fiz questão de abrir o prometedor documento e de o guardar no computador para lê-lo mais tarde. Afinal de contas, o título pré-anunciava uma coisa “em grande”, de leitura demorada, fazendo supor uma extensa e bem trabalhada moção política, com bons e sólidos fundamentos de medidas e estratégias para quatro anos de governação. Lá abri então o douto documento. Constato, desde logo, que são sete páginas. Constato ainda que uma das quais é a capa. E constato, por fim, que a última página tem oito linhas.

Ao longo das primeiras duas páginas, Seguro repete de forma consecutiva que não vai dizer ou fazer nada de diferente do que já disse ou já fez. Começa com “não concebo apresentar em agosto, um documento diferente do apresentado há três meses”. Continua com “eu não mudei no que defendo para o nosso país”. Prossegue com “o que hoje penso é o mesmo que pensava há três meses e há três anos”. Depois ainda com “hoje, tal como ontem, trabalhamos para construir um país justo”, e nisto se passou 30% do documento.

A página seguinte começa de forma diferente: “Pelo que afirmei, e como não poderia deixar de ser, assumo que o Programa do próximo Governo é rigorosamente o mesmo que apresentei aos portugueses em maio passado”. Ups, afinal não. Mas depois mostra-nos algo de inovador: “não podemos dizer hoje uma coisa e amanhã outra completamente diferente.” Pois. Também ainda não.

Depois da repetição da ideia de que Seguro não se repete, Seguro começa um outro tópico dizendo: “Conhecido o projeto de mudança que defendo para o país…”. E aqui parei. Voltei atrás, fui ao início do documento e reli, não fosse ter-me passado alguma coisa ‘de concreto’. Nada. Advertências de coerência e a repetição da ideia de que Seguro não se repete. De forma repetida. “Projecto de mudança” é que nada.

Ganhei outro fôlego e um novo ânimo quando, finalmente, me deparo com a seguinte frase: “quero deixar agora claro as principais linhas de conduta política do próximo Governo”. Alto, pensei. Agora sim, vamos ao que interessa. Começando por dizer que “o país precisa de estabilidade política”, estando ele aliás no centro da estabilidade em pessoa, ou em partido, vejo todo o meu ânimo cair a pique quando me deparo com o parágrafo seguinte: “Tal como anunciei em abril do ano passado…”. Ora bolas. Here we go again!

Finalmente, à quarta página (mais de 50% do documento lido) vem a primeira tomada de posição, prática e objectiva, do documento que é, e convém lembrar, a moção “das grandes opções do Governo”. Seguro diz que não fará parte de um governo minoritário. Por outras palavras, ou a vontade do povo é igual à minha, ou então não contem comigo para brincadeiras democráticas.

Na página cinco, Seguro anuncia outra medida objectiva e digna de registo: “Cumprir a Constituição”. Desta vez, por opção sua, sublinhe-se, Seguro não coloca a hipótese de não cumprir a lei. Vai mesmo cumprir. Percebe-se a “boca” ao actual governo, mas mesmo como boca foleira diria que é uma coisinha assim muito para o “contida”. Isto para quem com um severo “habituem-se” tinha prometido uma dureza política de proporções cósmicas.

O texto não termina, evidentemente, sem falar na Europa. PS que é PS tem de falar na Europa. Aliás – e nisto dou a António José Seguro os meus parabéns –, termina com uma bela homenagem aos jovens soldados portugueses em ano de evocação do centenário da participação lusa na Primeira Guerra Mundial. Diz Seguro que “os portugueses precisam de um Governo que os represente na frente europeia”, no que se trata de uma outra “boca foleira” a um outro governo, porém, neste caso, ao de Afonso Costa, que em vez de ter ido ele e o Bernardino Machado para a frente europeia “representar os portugueses”, preferiram mandar centenas de jovens que, em vez de falecer, podiam muito bem estar num centro de novas oportunidades a tirar o 12º ano a martelo.

Depois de lidas com atenção todas estas sete páginas (incluindo a capa), ficamos com uma clara ideia daquilo que é o projecto de António José Seguro para o país. Ficamos perfeitamente elucidados sobre aquilo que é a sua política e a sua visão de futuro. Seguro pode nunca ter dito rigorosamente nada no passado, mas com toda a certeza nada do que ele diz agora, é diferente do que já tinha dito. E isso, essa coerência, até eu lha tenho de reconhecer.