É mais um daqueles casos em que, depois de um período de intensa atenção mediática, o tema cai no esquecimento. Ainda se lembram do avião das linhas aéreas da Malásia (o segundo) abatido em espaço aéreo ucraniano?
O processo tem a estrutura do costume: um incidente inesperado serve de pretexto para que durante um curto (mas intenso) período de tempo se crie junto das pessoas comuns uma determinada percepção sobre o contexto no seio do qual o tal incidente tem lugar; depois, e não obstante as dúvidas que começam a emergir relativamente à explicação com maior peso mediático, o assunto é varrido das primeiras páginas e das aberturas dos telejornais. O cidadão comum guardará relativamente ao acontecimento em causa a memória das primeiras explicações, das primeiras especulações. Que percepção maioritária terão os cidadãos dos países do chamado “ocidente” relativamente ao caso do voo MH17 das Malaysia Airlines?
Todas as vozes que advertiram para as cautelas que é preciso ter no momento de atribuir à Rússia (e até aos grupos federalistas armados que lutam na região do Donbass contra a Junta de Kiev) responsabilidades neste caso têm sido silenciadas, ridicularizadas e substituídas por uma tese única e oficial que se impôs como explicação ao serviço do “interesse estratégico nacional”, que não é mais do que um discurso decalcado das posições hipócritas dos Estados Unidos e da Alemanha Federal (agora conhecida como “União Europeia”).
Lembro-me por exemplo de José Goulão, que enfrentou corajosamente e em directo, num canal noticioso nacional, o fogo cruzado dos “expertos” do costume, com o alinhamento do costume, lembrando as diversas contradições, omissões e mentiras que emergiam da explicação oficial sobre o tema. Lembro-me das explicações e “contextualizações” do conflito no Donbass, que ignorando o golpe de estado de extrema-direita em Kiev, ou os crimes fascistas como o massacre de Odessa, afirmam que tudo começou quando a Rússia “anexou” a Crimeia. Lembro-me da nova vaga de sanções contra a Federação Russa, a propósito de um incidente (de um crime, ao que tudo indica) relativamente ao qual ainda ninguém foi capaz de provar a sua participação. E lembro-me, por fim, que a 17 de Julho de 2014 o avião das Malaysia Airlines caiu, ao que tudo indica abatido, numa zona onde se travam violentos combates.
Lavrov, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa, afirmou recentemente que a Rússia é actualmente o único estado verdadeiramente interessado em descobrir o que se passou com o voo MH17 das Malaysia Airlines. Creio que ninguém estará em condições de o desmentir.
Entretanto, no que ao conflito ucraniano diz respeito, Estados Unidos e Alemanha Federal apontam o dedo aos pães que, oriundos do lado russo da fronteira, alimentam populações bombardeadas pelo exército ucraniano nas zonas de guerra do Donbass. O problema dos governos dos EUA e da Alemanha é o “comboio humanitário” que não bombardeia mas alimenta quem já não tem pão nem água para viver. O voo MH17 passou à história fazendo lembrar o caso do ataque de armas químicas de Guta (Damasco), sempre atribuído ao exército sírio, a única parte do conflito que – tal como acontece com as forças federalistas no Donbass – não tinha qualquer interesse político-militar naquela tragédia.
Temo bem que a verdadeira explicação para o que aconteceu ao avião malaio (o segundo, repito) nunca venha a conhecer a luz do dia. A dúvida é o alimento da especulação em que o imperialismo se sente como peixe na água.