Daqui ___________________ ali, já não há nada a perder

Nacional

É fácil ouvir a desesperança nas palavras quotidianas. Na verdade, a economia “de mercado”, a obsessão com défices, as “regras de ouro” acabaram por transformar, passo a passo, na mesmíssima estrada percorrida há muitas décadas, cada um de nós para cada um dos outros em mais um.

Mais um que consome recursos do Estado, mais um que rouba empregos, mais um que se vende cada vez mais barato baixando os salários de todos, mais um doutorado, mais um analfabeto, mais um sem subsídio de desemprego, mais um subsídiodependente.

Na verdade, a distopia apoderou-se de nós. Não há empatia ou simpatia, há inevitabilidades.

Olho para a televisão e a culpa é desses malditos sindicalistas que andam de mão dada com o governo em vez de estarem a trabalhar. Eu pago o meu passe e estes calões só têm regalias e eu vou chegar atrasada ao trabalho. Isto da faculdade não é para todos meu menino, contenta-te com um trabalhito e não digas que vais daqui. Estes pretos e estes brasileiros enchem isto tudo e depois não há trabalho para mim. Estes paneleiros andam para aqui a pedir para ter filhos, para quê? Para encherem isto tudo de maricas e chupar mais subsídios ao Estado? O que é isto das bolsas? Esta gente não faz nenhum, anda a ler livros e quer bolsas? Artista? Que é isso? Cambada de mamões sempre a chularem as Câmaras! O quê?? São todos iguais! É vê-los a discutir lá no parlamento e cá fora vão todos comer juntos. Isto era mandar os pretos e os ucranianos todos para o país deles.

Precisávamos era de obrigar toda a gente a trabalhar mal acabe a escola, para saberem o que é a vida. Manifestações? Cambada de chulos que andam aí sem trabalhar e a prejudicar a vida aos outros. Era um batalhão de polícias a dar-lhes cabo das trombas a ver se se manifestavam mais.

Eu nunca mais voto na vida.

Daqui ____________________ ali…é tão rápido quanto isto.

Convencer as pessoas de que não valem nada, despersonalizando-as, retirando-lhes tudo – retirando-lhes a dignidade – é um método demasiado conhecido. Explorando um estado de necessidade extrema, tudo se impõe. Terá nascido e sublevado um estado nacional-socialista a troco de nada?

Daqui – farto desta merda ________________________________aqui – a culpa é dos imigrantes, dos desempregados, a culpa é tua!…não é preciso muito.

Já temos as ruas cheias por causa do futebol, o fado é património da humanidade e a inevitabilidade a política dominante. Já rezamos todos os dias pelo bem que a troika nos faz porque permitiu pagar salários e a televisão dá-nos o sermão da Nossa Senhora Luís e do São Cavaco ininterruptamente na primeira semana de eleições.

Daqui ____________________________________________ ali, já não faltará pouco.