De cada vez que Cavaco fala nas pescas morre um golfinho

Nacional

Cavaco voltou nesta semana a falar da importância do mar para o país. Seguro também falou, há uns dias, e disse mesmo que, quando se abre uma janela no canal do Panamá, vê-se Sines. A hipocrisia desta gente em relação ao mar dá-me vómitos, mais do que qualquer viagem de barco.

Por aqueles lados não há vergonha, bem sabemos, mas o que aconteceu às nossas pescas foi e é dramático, particularmente no concelho onde vivo, em Matosinhos. Nem pesca, nem fábricas, nem nada. Centros comerciais à Belmiro e lojas vazias, como vazias estão muitas das casas construídas onde antes se produzia.

Por isso, reproduzo aqui um texto de 4 de Maio de 2010. E, vejam lá, levam como bónus uma citação de Fernando Tordo, que o disse então na Prova Oral, programa da Antena 3.

Ando um bocado farto de discursos. De Cavaco a Aguiar Branco, passando por Sócrates, Gama, profetas da desgraça e optimistas militantes. Não, a situação não está fácil, mas nunca esteve. Aliás, desafio alguém – vivo – a dizer-me quando é que estivemos bem, sem crise, fosse do défice, fosse internacional, fosse financeira ou económica.

A 25 de Abril, Cavaco, um dos mais proeminentes coveiros da nação, que só não mandou alcatroar o oceano Atlântico porque não teve fundos comunitários suficientes, decidiu virar-se para o mar. Logo ele. Ele que foi um dos maiores responsáveis pela destruição da indústria da pesca portuguesa e das outras que lhe estavam associadas.

Segundo uma notícia do Público, de 2009, a frota pesqueira reduziu-se 10% entre 1998 e 2008. Na mesma notícia pode ler-se que “uma das razões que contribuíram para o emagrecimento da frota nacional foi a consolidação das políticas de União Europeia voltadas para a preservação dos recursos marinhos – face aos riscos de extinção que pesam sobre muitas espécies. Um aumento da capacidade de extracção afecta o processo natural de renovação de stocks e, por isso, Bruxelas vem impondo, ano após ano, reduções significativas das capacidades de captura (os TAC ou quotas de pesca). Isto faz com que muitas embarcações fiquem sujeitas a limites de descarga de peixe, que tornam menos rentável a actividade, ou que a impedem mesmo, a partir do momento em que a quota anual se esgotou. Os empresários acabam por optar pelo abate da embarcação, que beneficia de atractivos apoios. A armação nacional foi também afectada pelo encerramento ou a diminuição do esforço de pesca permitido em muitos dos pesqueiros externos onde chegou a operar com evidente sucesso e importante retorno.”

Ora, se a notícia é verdadeira no que diz respeito aos incentivos ao abate, a que sociais-democratas, onde incluo socialistas e soaristas, sempre deram o seu aval, não é totalmente verdade que as políticas de preservação das espécies marinhas tenham estado na origem de quotas de pesca. Desde sempre que os pescadores fazem um período de pausa, chamado defeso. Antigamente, no final do Verão, salgavam-se as sardinhas para serem comidas durante o Inverno, que era quando não havia peixe ou quando não se podia ir ao mar, porque o mar tem destas coisas e nem sempre deixa que lá vão. O mesmo sucedia no final de Abril. Porque os pescadores são só pescadores, não são estúpidos, e não estão interessados em que se acabe o que lhes dá o pão.

Cavaco acordou a 25 de Abril de 2010 para o mar. No entanto, já em 2002, numa edição da revista O Militante, podia ler-se que “(…) pela continuada falta de uma política para as pescas portuguesas, a pesca e os sectores que lhe estão associados, têm vindo a diminuir o seu peso relativo na economia nacional, sendo que, só na última década, a produção de pescado passou das 319.000 toneladas, em 1990, para as 150.000 toneladas, em 2000, a frota pesqueira passou de 16.000 embarcações, para 10.750 e o número de pescadores matriculados diminuiu, no mesmo período, de 41.000 para 25.000, ao mesmo tempo que a capacidade de produção da indústria conserveira se terá reduzido em mais de 60%, sendo ainda mais significativa a redução da actividade da indústria de construção naval.

Tudo isto tem um responsáveis, como há responsáveis para o estado a que chegou a pesca nacional, que obriga a que, tantas vezes imprudentemente, os homens saiam para o mar, porque a fome, às vezes, é maior que o medo. A fome. Assim, sem eufemismos, que tenho para mim que esta coisa dos eufemismos também é culpada pelo Estado a que chegámos.

As sucessivas crises têm rostos e têm culpados. Um deles é Cavaco. E chega de dizer que temos de fazer sacrifícios. Parafraseando Fernando Tordo:” A crise é coisa demasiado cara para ser culpa dos pobres”.