Desobedeçam!

Nacional

A título de introdução, uma nota, para que se perceba o contexto: estou eleito dirigente sindical, pelos meus camaradas de trabalho, há quatro anos.

Na mais recente greve geral da função pública, no passado dia 17 de Março, as auxiliares de acção educativa das escolas estavam sujeitas (entendiam os directores) ao decreto de serviços mínimos emitido em Janeiro pelo tribunal arbitral devido à greve por tempo indeterminado do STOP.

Os serviços mínimos foram decretados “Face à duração e imprevisibilidade das greves decretadas pelo Sindicato de Todos os Profissionais da Educação”, lia-se num comunicado do governo de 27 de Janeiro. O pré-aviso do STAL dizia, acerca de serviços mínimos, que atendendo à curta duração da greve, não se prevê a necessidade de serviços mínimos.

A saber: a 1 de Abril de 2022 ficou concluída no plano nacional a transferência de competências para os órgãos municipais no domínio da educação, com a transferência dos trabalhadores não-docentes do ensino básico e secundário dos quadros de pessoal do Ministério da Educação para os quadros de pessoal das autarquias. Uma medida que permitiu a desresponsabilização do Governo, colocando o ónus da não resolução dos problemas sobre as autarquias, num quadro de subfinanciamento e desinvestimento da Escola Pública e de acentuada degradação do parque escolar. Ainda assim, com o decreto de serviços mínimos, o Ministério da educação tentou impor escalas de serviços mínimos a trabalhadores que desistiu de tutelar porque preferiu transferir esse custo para o poder local democrático. Alguns presidentes de câmara, como o Paulo Silva (Seixal) ou o André Martins (Setúbal), ambos eleitos pela CDU, fizeram questão de notificar os directores de escola de que não lhes reconhecem legitimidade para decretar serviços mínimos sobre trabalhadores que não tutelam. Ainda assim, os directores de escola, mandados e mandatados pelo Ministério da Educação, insistiram com as trabalhadoras não-docentes, apresentaram-lhes escalas de serviço, acenando com o decreto, ameaçando com processos disciplinares.

Neste contexto escolar, tendo em conta o baixo rácio de auxiliares de acção educativa por número de alunos, serviços mínimos são praticamente serviços máximos. Ficam impedidos de exercer o seu direito à greve os funcionários da portaria, os funcionários do bar e da cantina escolar, e os funcionários responsáveis pelas unidades de apoio especializado para a educação de alunos com multideficiência. Em algumas escolas, a lista de funcionários convocados para serviços mínimos chega a abranger mais de metade dos trabalhadores não-docentes.

Ora, este ataque ao direito à greve não é novidade nem é exclusivo do panorama nacional. Neste caso, como em outros, seguimos em Portugal a tendência de ataque aos direitos dos trabalhadores que se verifica crescentemente em todo o Império. Em Dezembro passado o presidente Biden, “bastião da democracia”, proibiu a primeira greve nacional do sector ferroviário em 30 anos, porque essa greve teria um impacto enorme na economia. E portanto aqueles trabalhadores foram impedidos de lutar por horários de trabalho decentes e, pasmem-se os deuses, baixas médicas pagas.

Um par de meses depois, desta vez no Reino Unido. A 31 de Janeiro começa a discussão da “Strikes (Minimum Service Levels) Bill”, uma lei de serviços mínimos que é mais um ataque ao já fragilizado direito à greve no RU. Há já alguns anos que um sindicato no Reino Unido, para poder decretar uma greve, tem de conseguir aprovação dessa greve por mais de 50% dos seus associados, o que obriga qualquer sindicato a realizar plenários locais pelo país todo, a recolher as opiniões de todos os associados. “Assim é mais democrático”, diz o poder britânico. Isto é um absurdo. As organizações de trabalhadores têm os seus mecanismos de democracia interna e também elegem representantes. Exigir a um sindicato que referende a greve no seio dos seus associados é a mesma coisa que exigir a qualquer governo que referende todas as suas medidas. Mas como se isto não bastasse, a “Minimum Services Bill” dá um passo adiante, deixando na mão do governo e dos patrões o direito de determinar serviços mínimos nos sectores da saúde, protecção civil, educação, transportes, controlo de fronteiras e desmantelamento de centrais nucleares e tratamento de lixo radioactivo. Nestes sectores, a entidade patronal pode entregar ao sindicato a lista dos trabalhadores que ficam impedidos de aderir à greve, e tem de ser o próprio sindicato a comunicar a esses trabalhadores que estão impedidos de aderir à greve. Se o trabalhador não respeitar a instrução, fica sujeito a processo disciplinar com vista ao despedimento, e se o próprio sindicato se recusar a assumir esse papel de cão do patrão, fica sujeito a processo judicial que poderá resultar no arresto de bens e dissolução do sindicato.

A conversa dos serviços mínimos é recorrente em dias de greve. Em dias de greve dos transportes públicos são tristemente comuns as “reportagens” em pontos de toma de transportes, com pessoas indignadas por não conseguirem chegar ao trabalho pela falta de autocarro/barco/metro/comboio. Mas essas falhas acontecem com demasiada frequência mesmo quando não há greve, devido ao desinvestimento na manutenção e reforço da frota, pela falta de motoristas, etc. O mesmo acontece nas escolas: Há uma greve e lá temos câmaras de televisão e repórteres ansiosos para falar com os pais que não sabem o que fazer aos filhos, como se a escola fosse um depósito de putos e não um estabelecimento de ensino. Mas novamente, não é preciso haver greve para que não haja aulas, basta que o professor ou o funcionário adoeçam, porque os quadros estão reduzidos ao mínimo indispensável. Quando há uma greve no sector da saúde, novamente as câmaras e os repórteres, para falar com aquela senhora cuja consulta ou operação, pela qual ela espera há três ou quatro anos, foi adiada. Mas também aqui, não foi a greve que criou estes tempos e estas filas de espera, foi o desinvestimento crónico no Serviço Nacional de Saúde.

E portanto, voltando ao nosso caso concreto, a greve geral da função pública e os serviços mínimos nas escolas. Fomos contactados pelas trabalhadoras do sector, que nos disseram que continuavam a ser pressionadas pelos directores. Fizemos plenários. Fomos às escolas. E em todos esses momentos, dissemos o mesmo: Desobedeçam. Desobedeçam, porra! Quando a ordem é ilegitima, não resta outro caminho senão desobedecer. Uma desobediência consciente, voluntária e colectiva. E apesar da pressão dos directores e da opinião pública, as nossas trabalhadoras desobedeceram, fizeram greve, e a escola fechou. E fechará, uma e outra vez, sempre que for necessário e que a prepotência do poder não nos deixe outra solução senão sacrificar um dia de salário em nome dos nossos direitos.