E se não fosse a luta?

Nacional

Comecemos pelas conclusões. Muitas das vezes, são as conclusões que nos servem como ponto de partida.

No passado dia 3 de maio, o jornal Observador fazia sair uma notícia com o subtítulo: «Número de estudantes do ensino superior nunca foi tão elevado e cresceu 20% nos últimos seis anos. Mestrado é o único ciclo que não regista aumento de inscritos». Tais “factos” merecem a nossa reflexão e o nosso questionamento. Para este exercício é importante ter mente alguns pontos cruciais.

Em primeiro lugar, a luta dos estudantes conseguiu reduzir o valor da propina ao longo dos últimos anos. É insuficiente, é certo, pode-se ir mais longe e os estudantes estarão cá para responder com mais luta. Não nos enganemos quando estas resoluções messiânicas surgem, quase que por milagre e como fruto do natural percurso da vida. Nunca o foi, nunca o será. É fruto da luta, da resistência, do heroísmo e do não vergar dos milhares de estudantes do Ensino Superior pela resolução dos seus problemas concretos. Não nos enganemos, também, quando nos tentam fazer crer que a redução da propina é um puro ato de simpatia, desligado do crescente número de lutas no Ensino Superior, o que permitiu mais gente ir mais longe. Não nos deixemos adormecer, porque é possível e necessário ir mais longe: apenas um Ensino Superior gratuito, universal e verdadeiramente democrático permitirá, aos filhos dos trabalhadores e das camadas mais desfavorecidos, o acesso aos mais elevados graus de ensino. Este é um dos resultados práticos, já há muito debatido pelo PCP, com a apresentação de diversas propostas, ao longo de vários anos, de combate à elitização do Ensino Superior.

Em segundo lugar, o surgimento dos Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP) e de outros cursos de grau intermédio, permitiram aumentar, consideravelmente o número de estudantes no Ensino Superior ao nível do Ensino Superior Politécnico. Aliás, já em 2021, apenas metade dos estudantes no Ensino Superior estavam inscritos em licenciatura.

Em terceiro lugar, nos últimos anos foi levado a cabo uma operação macabra de desmantelamento dos Mestrados Integrados (MI). Os MI foram uma forma curiosa que as Instituições de Ensino Superior (IES) arranjaram, em cursos como Engenharia, Medicinas, e outros, de dar resposta à condensação surreal dos cursos pós-Bolonha. Da última alteração ao Regime jurídico dos graus e diplomas do ensino superior, a mando da União Europeia (UE) com a justificação de que os estudantes portugueses, de engenharia (que é o caso que conheço e vivo), estariam em clara vantagem face aos restantes estudantes dos Estados Membro. Portugal e os seus governos, como bem-mandados que são, aceitam, sem resistência, as inúmeras imposições da UE. O objetivo, por mais voltas que deem, é só um: compensar o desinvestimento crónico do Ensino Superior por via do aumento das propinas dos Mestrados que, uma vez desintegrados, não têm o seu valor fixado ao valor da propina de licenciatura. Tão claro como a água, basta ver o que se tem passado. Por exemplo no Instituto Superior Técnico, que no meio de ingerências por parte dos órgãos dirigentes, a propina aumentou para perto do dobro no espaço de dois anos, tendo sido o segundo, e último, aumento aprovado pelo Conselho Geral (CG) da Universidade de Lisboa no último mês. Que podíamos esperar? Não há memória de uma proposta de aumento ser reprovada pelo CG. Podemos ter a certeza de que não ficaremos por aqui.

O resultado está à vista, entre MBAs e afins, com nomes em inglês e muito internacionais que nem eu percebo, mundos e fundos: os estudantes não prosseguem estudos! A maioria dos estudantes tem dificuldades em dar resposta às despesas da frequência no Ensino Superior e, como tal, acabam por ter que integrar o mercado de trabalho e sem prosseguirem para graus de conhecimento mais elevados, amordaçando, muitas das vezes, os seus sonhos. É preciso avançar na gratuitidade e universalidade do Ensino Superior, em todos os graus de ensino, para que ninguém deixe para trás os seus sonhos e aspirações!

É preciso combater a especulação montada em torno do Ensino Superior. É urgente dar resposta aos antiquados métodos de acesso ao Ensino Superior, nomeadamente os exames nacionais, e garantir que os jovens do Ensino Profissional e Profissionalizante têm garantido o acesso ao Ensino Superior de forma não discriminatória e justa. As reformas para o Ensino, há muito badaladas pelos governos do PS, não podem ser fogo de artifício. Precisam urgentemente de revolucionar o Ensino Português, dando resposta aos seus problemas crónicos e pedagógicos. Não queremos um Ensino Superior da década de 20 do século passado, com uma cara lavada com tecnologia, mas que mantém os ataques à Escola de Abril e aos seus estudantes. Ambicionamos sim, a construção de um Ensino que seja de futuro, que seja verdadeiramente democrático e que não olhe para o berço onde cada um de nós nasceu. Lutemos, porque a luta é transformadora e forja o aço!