E se Portugal fosse governado como Loures?

Nacional

Quem cresceu nos dormitórios suburbanos de Lisboa pode separar as memórias da sua cidade na incursão nos prédios que estão agora onde antes era só campo. Lentamente, como uma enxaqueca histórica, a especulação imobiliária apoderou-se das cidades, transformou-se nas cidades. Acompanhando a retirada das funções sociais do Estado, o poder autárquico timonado pelo PS e PSD reduziu-se à insignificância votada, não pelos eleitores, mas pelos sucessivos governos: a sina de estruturas democraticamente opacas que seguem mecanicamente procedimentos formais, que servem para cobrar taxas e, no compasso das eleições, tapar uns buracos.

Por esta razão, poucos decidem participar nas assembleias municipais e de freguesia. Porque estes concelhos não servem para conhecer, passear, debater, aprender e viver, mas para dormir. Não são cidades. São armazéns onde nos guardam, nos terceiros andares das catacumbas sub-urbanas. Também por esta razão, fiquei agradavelmente surpreso com o Bairro da Quinta do Mocho, em Loures, que visitei recentemente. O antigo “bairro problemático” é hoje uma galeria de arte de rua sem paralelo em Portugal e que já valeu a Loures o reconhecimento europeu. Não se trata apenas de reabilitação visual e estética: o projecto “O Bairro i o Mundo” derruba os muros de preconceito e racismo que cercavam o bairro, transformando-o em gueto. Agora, as paredes dos prédios reúnem o melhor do graffiti português num museu a céu aberto. Ao contrário dos subúrbios da linha de Sintra, com as suas ruas desconfiadas e o seu recato de estores corridos, as ruas da Quinta do Mocho destilam conversas e visitantes, projectos e vida. Nunca o bairro foi tão bonito.

Há uma relação entre ruas mais limpas e salas de teatro cheias: cultiva-se cultura e colhe-se cidadania.

As mudanças na Quinta do Mocho reflectem, na Câmara Municipal de Loures, uma forma diferente de fazer política que contrasta diametralmente o governo. Em Loures, sem penalizar mais os trabalhadores, a Câmara reduziu em mais de 30% a dívida de dezenas de milhões de euros legada pela danosa e fraudulenta gestão do PS. Já o governo, castigando fortemente os trabalhadores, fez crescer a dívida pública em 100% em menos de 7 anos. Enquanto Passos Coelho aumenta o horário de trabalho da função pública para 40 horas, Bernardino Soares segura as 35. Enquanto o governo continua a sua vertigem privatizadora, despojando as populações de bens e serviços essenciais, a Câmara de Loures impede a privatização da água e vai mais longe, proibindo que se corte a água a qualquer família por falta de dinheiro. Quem diz que os partidos são todos iguais não sabe, entre muitas coisas, que em Loures a água é mesmo um Direito Humano.

Isto aqui é uma orquestra.

E quem diz o contrário é tolo. Há uma relação entre ruas mais limpas e salas de teatro cheias: cultiva-se cultura e colhe-se cidadania. O povo de Loures parece sorrir mais porque a sua vontade não foi traída e os seus votos não se peitam. Aqui Abril abre-se à amizade, à alegria, aos afectos… Na boa governação da Câmara de Loures ressoa o eco democrático de Abril, desapegado ao poder pessoal e com a cristalina transparência nas contas que é apanágio dos comunistas. Por todo o concelho, esta forma de estar na política e de entender o poder manifesta-se na forma participada de democracia que, em Loures, dá agora os primeiros passos.

Um dos traços mais facilmente distinguíveis da nova gestão da CDU é justamente a disponibilidade para debater tudo e ouvir todos, com uma humildade e atenção que, novamente, destoam da reconhecida altanaria do governo. Para conhecer os problemas, a Câmara Municipal de Loures realiza dezenas de sessões públicas por todo o Concelho, visita os centros de saúde, dá a palavra os trabalhadores públicos, aos moradores, aos artistas, às associações. Este capital de trabalho, honestidade e confiança é consensual: Loures já não é coutada de nenhuma família nem parque infantil para nenhuma casta.

Recentemente, o Parlamento mudou-se simbolicamente para Loures para assinalar o centenário do Parlamento do Tojal. E se o simbolismo dessa mudança não tivesse sido histórico? E se Portugal pudesse ser governado como este concelho de Lisboa? Loures é uma maquete à escala para construir um país novo. Isto não quer dizer que seja sonho concretizado nem arquétipo para transcrever em série: é apenas fôlego para soprar mais vida e deixar-nos supor como seria, se Portugal fosse governado como Loures. Mas não só para suposições serve o exemplo, mas também para abonar o optimismo revolucionário: do sopro dos exemplos havemos inaugurar na História desta terra uma nova dinastia, sob a soberana linhagem do Povo, cognome O Trabalhador.