E tu, quantos partidos já fundaste este ano?

Nacional

A aritmética política é simples: “os inimigos do povo vencem as eleições porque o povo se abstém” mais “a maioria do povo não vota porque não se sente representada por nenhum partido” é igual a “é preciso continuar a criar novos partidos até toda a gente se sentir representada”. No entanto, e mesmo admitindo que esta operação é realmente uma soma e não uma divisão, subsiste uma incógnita: qual é a propriedade mobilizadora do próximo novo partido que nenhum dos existentes à esquerda conhece?

Mas se quando falamos desse novo partido, com o condão de arrancar milhões de trabalhadores despolitizados do torpor da abstenção, não estamos, com certeza, a falar da imagem, da linguagem, das caras ou dos nomes, é porque a fórmula mágica reside, nas ideias ou no funcionamento. Curiosamente, entre os novos partidos, semi e pseudo-partidos de esquerda que pululam na internet não existe uma única ideia nova. O que defende o MAS que não defenda já o BE? Que propostas tem o Tempo de Avançar que não tenha o Fórum Manifesto? Por que ideias se bate o Livre que não combata já o AGIR?

O vazio ideológico e programático dos candidatos a Syriza português é aterrador: um promete ganhar as próximas eleições com um cachecol à Varoufakis, o do lado diz que surgiu para tornar os resultados eleitorais mais imprevisíveis, o outro vai mais longe e convida a que todos fundemos o nosso próprio partido uni-pessoal. É preciso dizê-lo: a pulverização de partidos de esquerda não resulta da salutar diferença de propostas ou ideologias, mas de vícios de meninos mimados, que se devoram a si mesmos na feira das vaidades em que todos querem ser o chefe e nenhum quer ser militante de base. É que, é mister aceitar a cruel verdade, a diversidade partidária é mais rapidamente um indicador da diversidade de classes sociais do que um indicador de diversidade política.

Por outro lado, ao contrário de significar uma “abertura dos partidos à cidadania”, as recém-nascidas estruturas políticas vão exibindo as penas de uma hierarquia rígida de famosos e personalidades, com debates na fachada e decisões nos corredores, cuja fórmula mágica para vencer a abstenção é a formidável abertura do seu chefe… a ser seguido todos os que o queiram seguir. Sucintamente, a principal inovação democrática no funcionamento interno dos novos partidos de esquerda é a cisão partidária como substituição da contagem de votos. O redemoinho de cisões de sub-cisões não gera abertura, mas estreitamento e isolação. Tão certo como Rui Tavares ser cabeça de lista e o Gil Garcia imperador.

É compreensível que, ao cabo de tantos anos de empobrecimento, muitos de nós estejamos fartos, desiludidos e desesperançados. Mas para os problemas que o país enfrenta, não haverá saídas fáceis nem fórmulas mágicas. A mudança verdadeira também não será o corolário de tomar as pessoas por estúpidas e dar-lhes uma opção de esquerda menos ideológica e mais fácil de digerir. Pelo contrário, os últimos anos têm sido profícuos em desilusões na matéria, de Rui Tavares a José Sá Fernandes, passando por Fernando Nobre até Marinho Pinto. Restassem dúvidas aos mais cépticos, está aí, com força imperativa, a axiomática prova dos nove: nas últimas duas eleições, entraram na liça novos partidos de esquerda com a finalidade de representar os mais abstémicos eleitores. A abstenção subiu.

Mas existe uma esquerda de confiança. Uma esquerda cujo património de coerência não está à venda por votos nem pastas ministeriais, que não tem fórmulas mágicas nem chefes supremos mas que tem algo mais precioso: massas de trabalhadores dispostas a lutar.