Ela é que guia, e então?

Nacional

Quando começámos a namorar ela já tinha a mota. Confesso que sempre tive algumas dificuldades (chamemos-lhe medo, pronto) em andar de mota, o que fez com que só passado vários meses me tenha sentido confortável, e a esforço, para me deslocar no dito veículo. Mas era estúpido não usufruir da mobilidade extra que se ganha numa Lisboa caótica e portanto tenho enchido o peito e temos ido a sítios com ela ao volante.

Ela vai sempre ao volante porque o passo de ser eu a conduzir de vez em quando não é fácil. Para começar aprendi a andar de bicicleta tarde e mal – sou um Indurain em estrada aberta, mas quando é preciso parar e retomar a marcha muitas vezes ou contornar obstáculos de forma constante, rapidamente me transformo numa criança de 3 anos que ainda não percebeu o que é isso de coordenação motora -, e nunca na minha vida experimentei fazê-lo em cidade. Ora, portanto, a passagem para as duas rodas e com motor, no meio dos buracos, dos semáforos verde-tinto, das ciclovias cheias de peões, etc., não será fácil…

Mas este texto não é sobre a minha dificuldade (medo) em pilotar uma vespa, é sobre os olhares que nos lançam quando a vêm a ela, mulher, ao volante, e a mim, homem, à pendura. E não são poucos nem de raspão. Há quem fique especado, com aquela expressão na cara de quem ainda acha que “parece impossível, um gajo daquele tamanho ser conduzido por uma gaja…”

Chega a haver dedos apontados, envergonhados e rápidos, mas apontados, chega a haver quem faça questão que eu perceba que estão a censurar, quem sabe a achar que serei meio-homem por me submeter a tamanha humilhação. E esta reprovação não é uma coisa exclusiva a fortes e viris machos, muitas mulheres imprimem a mesma expressão facial, o mesmo sorrisinho reprovador, os mesmos dedinhos marotos a censurar.

É por coisas como estas que continuo a soltar uma lágrima quando me dizem que vivemos num país que respeita a igualdade de género. E neste caso o “problema” é o homem, porque é a mulher que assume uma posição de poder, e isso é demais para as cabeças de muita gente, isso é um pecado indesculpável.

Estamos a anos-luz da total desigualdade e subjugação de um(uns) género(s) em relação ao(s) outro(s), mas também ainda estamos a anos-luz da total igualdade. E não chega que se trilhe um caminho legislativo em direcção à igualdade, é preciso mesmo é resolver as cabeças, as mentes e os hábitos.

* Autor Convidado
André Albuquerque