Encontrar forma

Nacional

Quem faz aqui o Design? Quem é? Quem é o trabalhador que idealiza, cria, desenvolve, configura, concebe, elabora e especifica objectos e imagens para a produção industrial e em massa no nosso país? Quem é que considera aspectos estéticos, funcionais, económicos e sociais tanto no seu próprio processo de trabalho como nos produtos que concebe? Quem é que, alvo da ignorância generalizada e por cedência às condicionantes laborais aceita ser aquele que faz bonecos, que passa para o papel a ideia de outros, que maquilha, que faz omeletes sem ovos?

Deixando de parte, mas não muito, que a fraca capacidade produtiva a que foi votado o país pela política de direita levada a cabo por sucessivos governos do PS, PSD e CDS e, consequentemente, um consumo maioritariamente importado, logo um design também maioritariamente importado. Deixando isso de parte, dizia, quem faz aqui o design é o trabalhador assalariado com contrato a termo, mais certo que incerto, e que é já considerado um privilegiado; é o eterno trabalhador a recibos verdes, que tem de cumprir um horário e todas as obrigações dos contratados mas sem nenhum benefício; é o estagiário que é muito mal pago ou que até paga para trabalhar, a quem hipocritamente oferecem “café e boa disposição” e que alimenta a esperança de um dia ser contratado – convertendo-se essa esperança nas grilhetas que o tornam escravo; é o freelancer, aquele que vai conseguindo manter um número de clientes e trabalhos regulares ou aquele que não passa de um “desempregado com estilo”. O freelancer, por detrás do estrangeirismo, não deixa de ser como o camponês ou o operário da construção que vai todas as madrugadas para a praça de jorna, em busca do trabalho por um dia. Só que estas praças de jorna são agora digitais, modernas e aparentemente simpáticas. É também aquele que criou uma micro empresa e que vive constantemente com a corda na garganta, porque o empreendedorismo que nos impingem não passa de um lavar de mãos governamental em relação à sua obrigação constitucional de assegurar o pleno emprego. O micro empresário do design não beneficia dos “incentivos à produção” que dizem haver por aí.

Quem faz aqui o design tem cargas de trabalho excessivas, mal pagas e está muitas vezes fora da protecção social e no emprego. Quem fazia aqui o design deixou de o fazer ou foi fazê-lo para outro sítio.

Quem faz aqui o design, como quem faz aqui quase tudo, vive cada vez mais privado de futuro, em condições que se vão assemelhado à miséria.

O conhecimento aprofundado sobre a realidade do design e dos designers em Portugal está por fazer e poderá ser bem mais grave do que se supõe.

Mas como e porque é que se chegou a isto?

A nossa ideia é que sendo o design, por um lado, uma disciplina que, é por si, fruto do desenvolvimento do capitalismo, com toda o seu apetite voraz pelo lucro e, portanto, com uma necessidade extrema de exploração dos recursos humanos, e sendo, por outro lado, herdeiro de profissões liberais técnicas e criativas, tiveram os designers um percurso acidentado, difícil, e, como todas as profissões intelectuais, degenerativo. Hoje, quem faz aqui, ou noutro lado qualquer, o design, ou a química, ou a história, ou a pedagogia, ou a arquitectura, tem menos autoridade sobre o seu trabalho, menos autonomia, está mais proletarizado, desenvolve tarefas, cada vez mais em função de imperativos mercantis, e cada vez menos de acordo com o desenvolvimento livre do conhecimento, cada vez mais privados da criatividade.

A velha ambição de um estatuto de profissão liberal tornou-se num logro, no próprio instrumento da divisão e da precariedade destes trabalhadores.

E, para além disto, há quem faça aqui o design continuando a acreditar que faz parte da vanguarda imagética e formal e que isso basta para lhe conferir um estatuto social mais elevado.

Os que fazem aqui o design nunca negociaram nada e vivem ao sabor da chamada auto-regulação do mercado.

Mas importa negociar. De nada servem as campanhas promovidas pelas associações industriais valorizando o design, enquanto os designers não forem valorizados, de nada servem as críticas dos designers à falta de respeito pelo seu conhecimento, pelas suas escolhas técnicas, estéticas e funcionais, pelo seu tempo e métodos de trabalho, enquanto se apartarem da condição de trabalhadores.

Importa negociar e isso só será possível colectivamente. Importa que os que fazem aqui o design sejam capazes de encontrar forma – e encontrar forma é a sua especialidade – de se encontrarem, de se juntarem para: combaterem a precariedade, dos vínculos laborais; procurarem impedir o trabalho não-pago; a desregulamentação de horários de trabalho e o não pagamento de horas extraordinárias; negociarem uma tabela salarial e uma carreira; baterem-se pela classificação e pela regulamentação da profissão.