Os que fecham a porta do vagão

Internacional

Há tempos, discutia com uma amiga a possibilidade do retorno do fascismo no nosso tempo de vida. Pode ser difícil imaginar a velha Europa a reinaugurar os campos de concentração e a desfilar pelas avenidas parisienses de cruz gamada ao braço ao som do passo de ganso, mas ela está aí.

Hoje li que a nova Ucrânia, a menina dos olhos da União Europeia, decidiu cortar para metade as pensões dos reformados. Na peça da RTP não se falava nisso, está claro. Um insonso José Rodrigues dos Santos preferia entrevistar um rapaz da praça Maidan sobre os franco-atiradores e as vítimas de stress pós-traumático. Sobre os atiradores, nem uma palavra sobre as provas de que os mesmos foram pagos pela própria oposição. Sobre o stress pós-traumático, respostas banais para perguntas banais. De inglês partido para inglês quebrado, o rapaz explicava que não conseguia dormir, que se lembrava dos tiros… Mas o que me aterrorizou não foram as tétricas imagens dos cadáveres nem a pobreza do jornalismo de JRS. Foi só um pormenor: durante a pacata entrevista, uma enorme suástica azul enfeitava a parede de fundo, mesmo atrás do entrevistado.

O que aconteceu para que apenas setenta anos depois de Hitler, o sinal da desumanidade, o maior signo da maior destruição, passe desapercebido ao nosso olhar? Como é possível que nenhuma prova de fascismo seja bastante, por mais despudorada e flagrante?

A Ucrânia, o país com o maior número de campos de concentração durante o III Reich, está a ser tomada por nazis e desta vez não há uma URSS que a possa vir salvar. No novo Governo, ministros nazis do Sector Direito e do Svoboda controlam cinco pastas, da defesa e forças armadas à educação, passando pela juventude e desporto até à agricultura e alimentação. Outros dirigentes de extrema-direita ocupam cargos de relevo como o de vice-primeiro-ministro, procurador-geral e presidente da comissão anti-corrupção.

A incapacidade de ver o fascismo é o sintoma mais perigoso de que ele está a voltar. Jornalistas como José Rodrigues dos Santos, que não votam para não serem parciais e que às vezes não reparam nas suásticas, são o húmus em que a fétida flor do fascismo melhor se dá. Mostra-nos que também em Portugal é politicamente possível que o grande capital dance uma ronda macabra com a extrema-direita. Diz-nos que Portugal não é parco no tipo de gente que há setenta anos cumpria as ordens e fechava a porta do vagão.

O fascismo, “a minhoca que se infiltra na maçã”. avança na Ucrânia com “botas cardadas” e em Portugal com “pezinhos de lã”, mas nem de noite os fascistas são pardos. Quando monopólios fazem gato-sapato do Estado, a miséria é imposta ao povo, e o ar, cada vez mais democraticamente rarefeito, emana um bafio de prisão, as detenções e as suásticas são sempre a próxima paragem.

Porque o fascismo é uma gangrena que ou se corta ou nos mata, o Governo de Pedro Passos Coelho tem que cair. Porque há quem prefira não ver, nem cheirar, nem ouvir o fascismo, é urgente denunciá-lo e pronunciar o seu nome verdadeiro. Na Ucrânia como em Portugal, o fascismo corta-nos o ar e as pensões, restringe-nos os movimentos e a conta bancária, senta o FMI na sala de jantar. Na Ucrânia como em Portugal, temos a obrigação de lhe dar guerra sem quartel e atacá-lo por todos os meios num combate de morte. A diferença entre a Ucrânia e Portugal é que os capitalistas lusos ainda não tiveram interesse ou necessidade em desenterrar a cruz gamada. Mas depois de Hitler, de Salazar e de Caetano, de Franco e de Mussolini temos a obrigação de sabermos bem: o fascismo não se discute. Destrói-se.