Encruzilhada Histórica

Internacional / Teoria

É inegável o momento histórico que se vive, revestido por um lado de uma relativa iteração de vários processos económicos, sociais e políticos e por outro com elementos que se configuram em características ímpares, determinadas pela roda imparável das transformações das sociedades, que exigem novas reflexões e subsequentes abordagens, partindo do materialismo dialético para a sua total compreensão.

De um ponto de vista mais amplo, a reconfiguração do tabuleiro geopolítico mundial, e da sua correlação de forças, é um turbilhão em pleno desenvolvimento, que só encontra paralelo no período pós-guerra em meados do século anterior. Resultado de alterações profundas nas forças produtivas em vários pontos do globo, e com as suas intrincadas transformações das relações sociais, intrassociais e ainda entre povos e nações, determinaram circunstâncias actuais relativamente previsíveis, porém de desfecho incerto. Num prisma exclusivamente eurocêntrico, o conjunto de opções políticas neoliberais de décadas e uma canina fidelidade às resoluções económicas e financeiras do aliado transatlântico, e a mais um punhado de agentes de um sistema oligarquizado, destruíram num primeiro plano grande parte da força produtiva do continente e, por arrasto, dificultou a capacidade de organização e acção dos trabalhadores, do ponto de vista sindical, político ou associativo. Este fenómeno, impelido com propósito pelo grande capital, surtiu imediatamente os efeitos esperados e por si desejados, com a perda de influência social dos movimentos comunistas, e outros progressistas, porém não antecipando a reorganização desse espaço esvaziado pela estupidificação de uma nova classe dirigente liberal, tão incapaz como incompetente face aos desafios colocados, mas, sobretudo, imbecilizada do ponto de vista ideológico e democrático, que em  muito promoveu, por sua vez, o ressurgimento de estruturas politizadas de cariz neofascistas, reajuntadas pela aparente necessidade de dar resposta, via populismo, aos problemas levantados em primeira instância pela debilidade da orientação política europeia, sempre orientada para uma mercantilização de tudo e todos, da soberania ao pão, da democracia à liberdade.

Em simultâneo, a recorrente e periódica crise do capitalismo instalou-se, de forma aguda diga-se, onde os Estados Unidos de parte da América, se veem confrontados não só com a sua necessidade de promover novamente a economia através da sua indústria de guerra, mas também com um despertar a sul do globo, e não só, onde é reconfigurada a amplitude de uma aliança global de desenvolvimento e sustentabilidade económica, para os países ditos não-alinhados, entenda-se a recuperação pouco polida do termo, procurando fazer frente ao império colonial do dólar e suas determinações, o que vem tornar precária a eficácia do instrumento bélico como motor económico e financeiro e ferramenta de controlo geopolítico por parte das sociedades ocidentais, economicamente muito dependentes da escravização das forças produtivas de terceiros, posta agora em causa. A relativização da verdade, e a maleabilidade, tão conveniente, das várias narrativas encontraram, assim, espaço para proliferar, para montar as justificativas necessárias à tentativa desesperada pela manutenção do status quo, que têm tanto de frágil como de ridículo, e não se recapeando até de contornos cómicos, apenas e só pelo resultado trágico para os peões do dito império, ou seja, os povos do mundo. A agravante é que o termo – manutenção – ainda agora supracitado foi pobremente aplicado, pelo simples facto de que essa concepção ocidentalizada do presente é enviesada, e não encontra respaldo na realidade, o mundo mudou e poucos parecem ter dado conta.

O reforço e criação de polos produtivos noutros pontos do mundo reconfiguraram as relações políticas e sociais no âmbito internacional como as tínhamos, por anos, dadas por garantidas. Esta profunda transformação não significa, ao contrário do propalado pelo capital em pavor, necessariamente uma subversão das teses democráticas que hoje concebemos ou das liberdades e garantias que damos por certas, embora dependa de quem mais garanta a influência política e social nos tempos que estão por vir, e de que forma se dê resposta à contraproducente terciarização das sociedades modernas e à desvalorização do trabalho manual, e da possibilidade de recuperar ideológica e politicamente as concepções sobre as forças produtivas, retirando-as de um campo neutralizado, e tanto quanto praticável a sua devolução aos que possuem a força de trabalho, ou quando muito o influxo trabalhista nas relações de produção.

Não é um caminho linear, até pelo já exposto, mas sim tortuoso, desafiante e com – muitos – espinhos, onde passos atrás poderão acontecer mesmo até antes de vários à frente, porque não sendo um bolso roto, é um bastantemente fundo aquele que se compromete a atirar dólares à fogueira em tumulto na expectativa de que as águas do tempo não a extingam, é, portanto, inevitável esse processo, porém que não se desqualifique a sanha belicista que alimenta o seu decaimento e as suas implicações e sofrimento generalizado, num momento onde tudo encontra a mais sinistra justificação, do rasgar de tratados e acordos internacionais para a promoção da guerra inter-capitalista, da requalificação de organizações terroristas e seus dirigentes para desestabilização geopolítica, do financiamento do genocídio e do apoio político à barbárie, da reintegração moral e ética do fascismo na democracia burguesa e do ataque sem precedentes às organizações políticas e sindicais dos trabalhadores.

É uma encruzilhada histórica o momento que a humanidade atravessa, e na resposta colectiva que é preciso desenvolver (ou dar consequência) é também imperativo uma reflexão ideológica que trave dentro dos movimentos comunistas as derivas de orientação social-democrata, que em larga medida só tendem a reforçar, esperançosamente de forma inadvertida, a democracia burguesa fiel depositária do modelo capitalista e dos seus instrumentos belicistas e neoliberais.

É indispensável, e o único caminho por ricochete, que para acompanhar devidamente as transformações sociais, políticas e económicas a que assistimos, se tome a reorganização da vanguarda política operária e proletária como prioridade da circunstância e com uma verticalidade ideológica inquebrantável, e, sobretudo, como ferramenta na construção de um futuro de liberdade, paz e cooperação, é que o presente de que hoje damos conta, começou faz muito.

Socialismo ou barbárie, é a escolha.