“Entregar, entregar e entregar”

Nacional

Moedas disse no parlamento europeu (PE) “delivery, delivery and delivery”, enquanto era questionado pelos deputados europeus a propósito da sua indigitação para comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, numa alusão a ser orientado para os resultados (que tem sido uma forma muito utilizada para substituir o já batido – os fins justificam os meios!).

Na delineação da sua estratégia Moedas foi muito claro no que queria transmitir com estas palavras! Em vez da ingénua tradução “resultados, resultados e resultados”,

Moedas queria mesmo ser literal – “Entregar, entregar e entregar” – neste caso o financiamento europeu destinado à ciência aos privados. E da sua orientação para os resultados fica a forte certeza que o seu norte aponta na direcção dos resultados, sim, mas dos interesses privados!

Moedas prometeu investimento forte na ciência salientando que os países mais fortes nesta área eram os mesmos que melhor teriam resistido à crise, esquecendo-se, obviamente, que é parte do executivo que mais cortou na orçamento para a investigação científica.

Moedas não foi só um dos executores dos planos da troika, com quem agora parece que não concordava, foi também um dos seus principais negociadores e cospe agora na sopa que ajudou a preparar! O Moedas que não concorda com a troika é o mesmo que diz que o país precisava de ser credível, justificando assim a pobreza a que votou os cidadãos.

A ciência europeia está doente a muitos níveis. A prova disso são as manifestações que grassam nos vários países, onde destaco a Carta Aberta da ABIC, e mesmo em forma conjunta (ler aqui – euroscientist) a que muitos portugueses vão aderir, denunciando a falta de financiamento público e as condições em que muitos cientistas trabalham.

Em portugal, mais de metade dos centros de investigação correm o risco de fechar portas. Utilizando uma avaliação falaciosa, baseada em quotas prévias, negadas até ao fim pela FCT, o executivo de Moedas pretende cortar abruptamente o financiamento da maioria dos centros, mesmo de muitos que até agora eram considerados muito bons ou excelentes. Críticas a esta avaliação, levada a cabo pela ESF, levantadas aqui, já foram alvo de retaliação, por carta, ameaçando a autora do artigo com um processo judicial. Uma FCT que dificilmente não tem conhecimento de tal acto continua, até à data, sem se descolar do mesmo. A liberdade de expressão que os sistemas capitalistas tanto apregoam tem aqui mais um dos seus magníficos exemplos.

A falta de oportunidades para os cientistas em Portugal, e de resto nos outros países “resgatados” pela troika, causam a fuga de cérebros que o executivo de Moedas continua a negar. As diferenças nas políticas públicas europeias para a investigação científica vão acentuar algo que se pode chamar da divisão internacional do conhecimento que por sua vez realimenta positivamente as diferenças gigantes que existem no valor acrescentado do trabalho. Esta diferença é a causa dos baixos índices de produtividade dos países periféricos relativamente, por exemplo, à Alemanha (mesmo estando os trabalhadores portugueses obrigados a trabalhar muito mais horas que o trabalhador alemão) tantas vezes apontada como razão para um modelo baseado em salários baixos.

Moedas será o responsável por um orçamento recorde que rondará os 80 mil milhões de euros de um programa público europeu a que se chamou o Horizonte 2020 e representa cerca de 8% do orçamento comunitário. Ao receber a pasta, Moedas fez saber aos jornais que “ Portugal indicou uma pessoa com experiência relevante no mundo empresarial e na gestão financeira, com responsabilidades recentes em complexos dossiês de coordenação política e de monitorização do programa de ajustamento e agenda de reformas estruturais”, esquecendo-se rapidamente que estávamos a falar de ciência. Confirma-se a sua “experiência relevante” nas empresas e nas finanças, já passou pela Goldman Sachs, requisito prévio aliás para cargos políticos europeus, e pelo Deutsche Bank onde aliás ajudou a criar um banco subsidiário em 2003 que já encabeça a lista onde se encontra agora também o BES (a lista dos bancos maus é claro!). Confirma-se também a sua responsabilidade no ajustamento do cinto dos portugueses. Não tardará em também confirmar-se em que bolsos acabarão os euros pelos quais agora é responsável.

* Autor Convidado
Tiago Domingues